- Gênero: Documentário, Experimental
- Direção: Amanda Devulsky
- Duração: 205 minutos
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“cada vida”, “uma vida”…
É difícil inaugurar um debate que se ergue sobre a égide da efemeridade das imagens. Não há, hoje, imagem descartável, ainda que não se agregue valor substancial a esse conjunto feito de sua edição. Ainda assim, o que é esse valor? Onde ele está, e quem o determina? Por trás do dispositivo elaborado por Amanda Devulsky em Vermelho Bruto, está a necessidade de compreender uma parcela do país que pariu, nasceu e cresceu acompanhando uma velocidade inimaginável de informações e mudanças. Mas mudanças físicas e políticas estão a serviço também de um reagrupamento dessa valoração imagética, que hoje contempla e revigora com validação a outrora impermanência do que é fugaz; a morte de uma mediocridade que, na verdade, nunca existiu.
No compasso entre o que é documento e o que é experimentação, Devulsky consegue elaborar dois segmentos de intencionalidades para sua brutalidade cálida. O tempo, aquele senhor do qual não conseguimos fugir, também não será incólume à imagem. Seja ela estática ou não, o que imaginávamos permanente até literalmente ontem, Vermelho Bruto nos apresenta ao pesadelo: também a posteridade tem prazo de validade. É de uma certeza impactante que a mobilização do filme seja para nos informar que estamos sim sós, ao contrário do que o youtube e o tiktok prometeram. A tal da imagem, aquela que estaria guardada para nosso registro em gerações futuras e desconhecidas, também ela terá fim.
Devulsky nos informa dessa tragédia (para uns, libertação) ao permitir o máximo de alteração possível no que constrói, que foi vestido anteriormente como belo. Aqui, tudo está delineado por alguma espécie de fim: a juventude – um ideal de liberdade – um conceito de democracia que foi ameaçado pelos seis últimos anos – uma quantidade de sonhos que nem chegaram a ser formatados – e, para a obra, o plano. Na ideia da premissa ou na realização da autoria, vemos esvair-se o que se planejou, e o resto é apenas escombro. Do que nasce a partir da reelaboração de suas ideias, pode florescer positivo (o nascimento de uma família) ou negativo (a certeza da violência, urbana ou familiar), e igualmente ao processo de pulsão física, a materialidade também está predisposta ao sucesso e ao fracasso; um filme ou seu vestígio cru embolorado.
O futuro dirá onde está o cinema, mas talvez já não esteja dizendo nesse exato momento? Quando Devulsky, de maneira informal, propaga esse debate esse Vermelho Bruto; talvez já estejamos em velocidade ainda mais atrasada nessa discussão, que corre ao som da quantidade de material audiovisual que produzimos diariamente. Exibido na mais prestigiosa seleção da Mostra Tiradentes, a Aurora, o filme brasiliense está em sintonia com o debate proposto dentro do Fórum de discussão que a mostra abriu esse ano. A imagem, que se imaginava perene ao contrário da vida, também irá morrer. O que ela planeja a longo prazo é mostrar que tudo está propenso ao desgaste, e posterior desaparecimento, porque tudo está em vias do fim; lidemos com essa temporalidade restrita então, de células e celulóide.
Enquanto a imagem consegue capturar o distanciamento que se rasga entre quem filma e o que é filmado, sua diretora não retrai sua decisão rumo à finitude. Há um sentimento, então, de eterna despedida em Vermelho Bruto; se tudo acaba, precisamos então passar pelos rituais próprios. Se do humano vêm as lágrimas e o lamento, da imagem ficam o bolor e a estática e a perda da qualidade, a fusão entre essas sujeiras visíveis, que se tornarão parte integrante das marcas temporais. No lugar das rugas de Jo, Alessa ou Fabiana, vemos a arte em decomposição, sua textura cada vez mais rarefeita e suas eventuais ausências.
Vermelho Bruto também é um processo de revisão histórica não apenas para o lugar do feminino, como principalmente sobre a forma como é permitido com que a mulher veja o mundo ao seu redor. Não apenas da parte de Devulsky, mas principalmente da autonomia que ela outorga a suas quatro protagonistas, mulheres que escolhem seus rumos, seu olhar e sua predisposição às escolhas do futuro. Ainda que inexoravelmente o mundo as faça tropeçar, o filme acompanha uma jornada de desenvolvimento para suas personagens, da adolescência até sua maturidade. Enquanto completa seu processo narrativo, a diretora nunca deixa de lembrar que as imagens também as traduzem. E finalmente é observado o ponto de vista de mulheres que foram especificamente diminuídas.
Que o material seja produzido por mulheres, dirigido e montado igualmente, essa coletividade não apenas define um filme, mas principalmente as ferramentas emocionais e psicológicas com as quais o filme opera. Na certeza de ter testemunhado uma revelação quase messiânica, sobre o desfecho de tudo.
Um grande momento
O diálogo após a eleição
[26ª Mostra de Cinema de Tiradentes]