- Gênero: Terror
- Direção: Shari Springer Berman, Robert Pulcini
- Roteiro: Shari Springer Berman, Robert Pulcini
- Elenco: Amanda Seyfried, James Norton, Natalia Dyer, Alex Neustaedter, F. Murray Abraham
- Duração: 121 minutos
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Casados há quase 30 anos, Shari Springer Berman e Robert Pulcini desenvolveram uma relação artística longa, mas cujos pontos altos foram isolados uns dos outros, ainda que vultuosos. Seu primeiro longa metragem de ficção, o cultuado Anti-Herói Americano, lhes rendeu uma indicação ao Oscar e praticamente lhes deu um status que ainda os promove hoje, ao que chegamos 18 anos depois a Vozes e Vultos, estreia de hoje da Netflix e mais uma prova da tentativa de versatilidade do casal, que escorregou muito em inserções por gêneros díspares e vulgarizados, chegando enfim ao seu novo filme, uma salada que, nos piores momentos, parece suprimir situações, e nos melhores, entrega uma estranheza muito bem-vinda ao formato que é sua vitrine.
Baseado no livro de Elizabeth Brundage, o filme é um estudo moderno em cima de situações tipicamente machistas através dos tempos, literalmente. Se não há nada de muito inédito no que é mostrado, envolvendo episódios que se desenrolam de maneiras que saem do “ligeiramente invasivas” até o “completamente agressivas”, o filme serve para que esse tema não caia em esquecimento, e sabemos como esse movimento é necessário, tendo em vista que muitas coisas ali são naturalizadas em relacionamentos, mais ou menos duradouros, e persistem colocando mulheres em posição de opressão constante da masculinidade tóxica vigente.
Em invólucro de cinema de gênero clássico, com uma abordagem que esbarra aqui e ali na obra de Ira Levin O Bebê de Rosemary, não nos aspectos do horror ou da estrutura narrativa, mas em como aquele universo é dominado por um machismo estrutural consolidado pelo seu entorno, e sua personagem vai cada vez mais sucumbindo a uma atmosfera que a soterra. Como já dito, embora não se apresente novos conceitos de cinematografia ou avanços narrativos por lugares inéditos, Vozes e Vultos consegue compreender sua função aos poucos e avança na direção do público, deixando um amargo gosto de diversão em meio a uma realidade absolutamente soturna – e que deixa claro que o inferno são os vivos, e está aqui.
Infelizmente, o longa tem um defeito muito comum ao cinema adaptado de obras literárias, uma reverência excessiva ao material escrito que impede sua narrativa de se arvorar por aspectos criativos imageticamente, ao passo que também é restringido pela necessidade de colocar todos os elementos descritos na trajetória dos personagens na outra mídia. Isso acarreta um roteiro que é a um só tempo “gordo”, repleto de acontecimentos e afazeres, e também desprovido de elos de ligação, porque só acompanhamos os grandes fatos e suas devidas consequências, sem os fios de ligação originais, parecendo tudo muito gratuito e grandiloquente, onde a ausência dos motivos iniciais incomodam na fruição do todo.
Dessa forma, os 40 minutos finais acabam soando mais orgânicos e bem encadeados, ainda que recheado de eventos — ali, já estamos, enfim, a par de todas as dobras de interesse os personagens, suas funções dinâmicas e o espaço existente entre suas ideias e sua ações concretas, sem precisar de conjectura ou achismos. Ao se encaminhar para um desfecho, os espaços que parecem abruptos durante todo o percurso já foram absorvidos, e o filme cria finalmente um dinamismo rumo ao seu desfecho. De pegada mais formalista, a direção assume um caráter contemplativo ante o material capturado, sem muitas inserções criativas — há uma ideia de, apesar da motivação atual, adentrar o universo fantástico trazido diretamente dos anos 1970 e percorrer assim pela produção.
Ainda que essas decisões sejam sedutoras e acertadas, suas finalidades não são bem amarradas, porque a ideia foi tentar resumir o livro no filme, não eliminando elementos-chave, e com isso inflando a narrativa sem criar amarras sensíveis às suas motivações primárias. Vozes e Vultos compreende seu universo, tem vontade genuína de investigar suas origens e matizes, mas parece não ter tempo suficiente para dar robustez a sua trajetória; seria interessante, muito mais rico e eficiente acompanhar essa narrativa em formato longo, que permitisse o aprofundamento capaz de aplicar suas necessidades a todos os aspectos. O material conseguido passa o seu recado, mas não se cerca de todos os elementos possíveis, que parecem avulsos ao olho mais amplificado, ainda que sua abordagem se encaminhe para uma catarse que o público compre, mesmo que a palavra “diversão” pareça sempre deslocada ao ser utilizada aqui, o filme cumpre alguns papéis interessantes.
Um grande momento
A reunião espírita