Crítica | Streaming e VoD

Quando Você Terminar de Salvar o Mundo

Ser mãe

(When You Finish Saving the World, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Jesse Eisenberg
  • Roteiro: Jesse Eisenberg
  • Elenco: Julianne Moore, Finn Wolfhard, Billy Byrk, Jay O. Sanders, Alisha Boe
  • Duração: 88 minutos

Embora a sociedade tente colocar a experiência em uma mesma caixinha e transformá-la em algo muito mais tranquilo, sagrado e romântico do que é, despertando assim um caminhão de culpas e frustrações, a maternidade é algo único, pessoal e intransferível. Cada mulher que fez a opção por ser mãe encontrou um desafio para o qual não estava preparada, saiu destrinchando esse caminho sem a menor ideia do que encontraria pela frente, errando muitas vezes tentando acertar. No meio dessa jornada, a mãe tem que descobrir não só uma outra pessoa que está se formando e se moldando para o mundo de uma maneira que ela não tem como controlar, mas também tem que ser descobrir como a pessoa que só pode observar. É uma relação esquisita, diferente do que ela esperava. Mesmo que tudo tenha sido diferente até aqui, para a ruptura nunca se está preparada.

Quando Você Terminar de Salvar o Mundo, estreia na direção do ator Jesse Eisenberg, fala de mães e de filhos, de diferença de gerações, e da dificuldade em lidar com a quebra natural e inescapável de um vínculo que parece ser eterno. Se natural e explosiva para um lado, que quer mesmo se diferenciar de tudo aquilo que vê para firmar suas própria personalidade, é desesperadora para o outro, que se vê perdido, questionado e invalidado. As maneiras de lidar com isso são variadas, afinal de contas, somos humanos e além de nossos instintos e gênios, “não existe manual de instruções”, como diz qualquer mãe que você conheça. Evelyn vai pelo lado do distanciamento e da irritação. Está ali fingindo cordialidade, mas vai incomodar, não quer saber de nada e está sempre impaciente. Ela prefere olhar para fora porque não quer ver.

Para construir esse universo de conflito cotidiano, Eisenberg, que também assina o roteiro, marca bem seus personagens. Ele, Ziggy, é uma criatura da Internet, um adolescente que ganha dinheiro em lives de músicas para crianças e adolescentes do mundo todo. Ela é totalmente analógica e toca um abrigo para mulheres vítimas de abuso doméstico, diariamente ouvindo histórias horríveis. Alienado, ele é orgulhoso e vive feliz sua adolescência e fama digital. Ativista, ela é dura e vive preocupada e isolada de quase todos. Água e óleo, ambos têm dificuldade em ter as conversas mais banais por não parecerem ter mais nada em comum. “O que é um streaming?”, a impossibilidade em uma discussão sobre a dicotomia entre as definições de riqueza e pobreza ou a literalidade de cinco segundos. As palavras não mais comunicam. 

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O desacerto de Quando Você Terminar de Salvar o Mundo é incômodo porque ele é muito plausível, muito real. Mesmo que não sejam os mesmos pontos, que se entendam os tópicos e as diferenças variem, os olhares para lados opostos são os mesmos. A conversa sobre o estilo de música que Ziggy compõe, definido como “claramente para adolescentes” com toda antipatia e desprezo por Evelyn, é um exemplo disso. Ali ela não sabe do que fala e nem se queria dizer isso. Talvez ela só não quisesse viver aquela situação de total afastamento e perda de contato. Uma mãe que já tenha passado por isso a compreende. A recíproca vem na mesma forma quando ela fala sobre o trabalho no abrigo e ele diz a única circunstância que o deixaria interessado. Nem ele se vê nela, nem ela nele. Como um vínculo como esse pode ser distanciar tanto assim? Do delírio a cada trabalho da escola à admiração por cada posicionamento político, é um soltar a mão muito radical para qualquer um.

Mas é seguindo no seu retrato da vida que Eisenberg encontra não o mesmo, pois tudo sempre será diferente, mas a tendência. Freud explica. Ele acha a busca pelo igual e a expectativa transferida, trazendo um novo ritmo para o filme, uma outra realidade dentro desse caos interno que se estabeleceu. Faz muito sentido vermos o separado se transformando em paixão e empolgação, interesse genuíno e conversas sobre o futuro, e o lugar comum cada vez mais marcado pelo atrito e por uma imposição de limites pela luz vermelha de um giroflex. E aí está o momento de se encontrar consigo e perceber o que realmente está acontecendo. Pelo menos para Evelyn e Ziggy que nesse desespero de completar o buraco deixado pelo outro, nem notam direito o que fazem.

Eisenberg trabalha bem com as palavras e sustenta a tensão da relação, ajudado pela trilha e por uma arte que prefere as cores pastéis, com exceção de dois elementos muito específicos, ou o marrom sufocante da casa de Evelyn e Kitty. Julianne Moore e Finn Wolfhard funcionam muito bem como mãe e filho, ela tendo bons momentos, como faz em seus papéis mais inspirados. O modo como a atriz transita entre a dureza e a cordialidade formal, ou como vai ganhando brilho à medida que o filme avança é sutil e incrível. Ainda que haja um interesse maior no desenvolvimento da história da mãe, pois ela é mais potente, Quando Você Terminar de Salvar o Mundo se equilibra nos confrontos e é um belo filme de estreia, com muito a dizer e conexões que são inescapáveis. Pelo menos a essas que se atiraram na aventura imprevisível e estranha de ser mãe.

Um grande momento
O prato sujo na mesa

[Sundance Film Festival 2022]

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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