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Feitiçaria

Entre o mágico e o real

(Brujería, MEX, ALE, CHI, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Christopher Murray
  • Roteiro: Christopher Murray, Pablo Paredes
  • Elenco: Valentina Véliz Caileo, Daniel Antivilo, Sebastian Hülk, Daniel Muñoz, Neddiel Muñoz Millalonco, José Aburto, Luis Araya, Matías Bannister, Juan Cayupel, Pedro Cayupel
  • Duração: 100 minutos

As aves nos recebem antes das imagens e a cartela avisa que o lugar onde estamos entrando é o fim do mundo, tanto para os colonos como para os próprios chilenos, mas seu começo para os que sempre estiveram ali. Feitiçaria nos leva então às Ilhas de Chiloé e à casa de um colonizador branco e seu Pai Nosso, o modo como ele trata a indígena ainda criança como empregada doméstica, como se vinga de seu pai depois de um evento, ou como é cruel e o quanto não valoriza aquelas vidas.

Não há alegria. O sépia e a pouca cor, acompanhados de uma trilha sonora soturna, dão o tom dessa revisitação do chileno Christopher Murray à história de colonização, aculturamento e resistência do povo huilliche. Personificado na figura da jovem Rosa (Valentina Véliz Caileo) ainda com seus 13 anos. O que se vê é o reencontro consigo mesma e com a natureza depois de perdas sucessivas. Perdas que são palpáveis e perdas que são etéreas, como a da própria identidade, anteriores à própria existência.

Feitiçaria transita entre o real e o imaterial de forma fluida e torna-se curioso por trazer elementos de suspense à trama, num roteiro assinado pelo diretor em parceria com Pablo Paredes. Se de um lado estão mitos da ilha e do povo, recontados, ao lado de reimaginações de cultos, de outro estão sessões de julgamento e ações de colonizadores que não poderiam ser mais perturbadoras. Ao mesmo tempo, há mistérios humanos e míticos que se desenvolvem e vão criando uma trilha paralela, que se confunde e se funde aos acontecimentos.

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O filme se desenvolve sem pressa e se aproveita da beleza natural da ilha. A diretora de fotografia María Secco, dos ótimos La demora, A Jaula de Ouro e Essa Não É uma Comédia compõe belos quadros – às vezes se preocupando demais com isso – e sabe como bem representar a transição do luto para a libertação e como expor o encontro de Rosa com a natureza, contrapondo sua figura com a vastidão dessas imagens, colocando-a em posição de observação e observada. A mesma atenção recebem os símbolos que são apresentados, sejam aqueles que representam os brancos colonizadores ou os que remetem à ancestralidade da terra.

O jogo imagético de Feitiçaria por vezes se descola da trama, que é mais evidente ao estabelecer a contradição. Há uma alegoria mítica explícita no diálogo que retorna o conto da derrota de Moraleda para Chilpila, o livro mágico e La Red Província para ilustrar a colonização e a resistência dos mapuches; a transformação dos filhos do colono; o aprisionamento do huilliches com a soltura condicionada à salvação da miscigenação. Tudo tão complexo e bem arranjado. Paralelamente, se desenvolve um clima de suspense que é igualmente contaminado num jogo interessante com o próprio filme, trazendo uma tensão que é estrangeira e poderia não caber em seu ritmo observacional, mas as coisas se acertam.

E se Feitiçaria por vezes se perde na própria beleza e cai nas armadilhas do suspense que inventa, é forte na mensagem e no universo que cria para resgatar uma história esquecida. O interesse que desperta nos leva, junto com Rosa, a lugares inesperados e faz com que queiramos entender o que ali acontece, naquele momento e antes dele. Porque o depois, infelizmente, está posto e é triste demais.

Um grande momento
“Eu digo que podemos”

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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1 Comentário
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Anna
Anna
26/10/2023 15:22

Perdi meu tempo.com esse.filme.

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