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União Instável

Novas formas de contar uma história

(União Instável, BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia romântica
  • Direção: Silvio Guindane
  • Roteiro: Renato Fagundes, Belise Mofeoli
  • Elenco: Dan Ferreira, Dandara Mariana, Estevam Nabote, Lellê, Tatiana Tibúrcio, Vilma Melo, Stepan Nercessian, Serjão Loroza, Negra Li, Cristina Pereira, Katiuscia Canoro, Gabriela Dias, Raissa Chaddad, Yuri Marçal, André Matos, Paulo Miklos, Antônio Pitanga, Zezé Motta
  • Duração: 75 minutos

Silvio Guindane tem um feito que poucos diretores no mundo podem se orgulhar hoje, lançou dois filmes no mesmo mês, que não tem nada em comum, ou seja, não projetos acoplados, franqueados, parte 1 e 2, nada do tipo. E são seus dois primeiros lançamentos como realizador, um segundo feito igualmente especial; o primeiro foi o sucesso Mussum, o Filmis, ainda em cartaz nos cinemas, e o segundo acaba de estrear na Netflix, esse União Instável. Sem as amarras obrigatórias que criam uma dependência narrativa a um produto biográfico, a direção do ator enfim vai longe, se abrindo para as inúmeras possibilidades que um gênero batido como a comédia romântica tem a oferecer a quem tem tudo para mostrar, e com a sede que Guindane está.

O primeiro longa como realizador do protagonista de Como Nascem os Anjos vai acabar sendo o terceiro a ser lançado, o documentário A Primeira Onda, sobre a pandemia do covid-19. Aí teremos um panorama completo desse novo profissional, mas o quadro geral por enquanto é extremamente promissor. Vencedor de Gramado esse ano, lançando uma outra produção na mesma temporada, com resultado superior à biografia lançada, creio que não existam motivos para lamentações. O projeto União Instável é um avanço e uma liberdade de criação que caem bem para um diretor em início de carreira, e ainda criando tração dentro da indústria; nesse sentido, só existem predicados aqui, além de ser um palco para um elenco preto brilhar e desenvolver tipos adoráveis, onde praticamente todos têm chances. 

Como o ator que é de formação, seus dois filmes dão atenção especial ao seu grupo de trabalho, e isso é algo próprio desse seu lugar, como já foi visto com outros atores transformados em diretores. A diferença é que Guindane é um ator preto, e está usando esse seu lugar de privilégio para avançar discussões, como a de criar protagonismo preto para seus companheiros em uma comédia romântica, coisa que é a primeira vez que acontece no Brasil. É incrível ver esse grupo lidar com a leveza e poder não se ater a dramas pesados, histórias de violência e abandono, e posicioná-los como um grupo que é bem sucedido profissionalmente e emocionalmente, cuja maior preocupação seja a qual só brancos parecem dedicados no cinema, como o amor, o casamento, a fidelidade e o afeto. 

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O roteiro de Renato Fagundes e Belise Mofeoli é adaptado de um original espanhol, Ahora o Nunca, de Maria Rispoli, que consegue ser inserido em nossa realidade com o acréscimo de material cheio de substância tipicamente nacional. O filme mostra um número robusto de personagens (são muitos parentes, amigos, primos e tios) que dão não apenas unidade ao todo, como também funcionalidade a um título cômico. Apesar de parecer que estaremos diante de um quadro grande demais de situações, de escolas tão diferentes de humor, de tempos distintos de comédia, o talento de Guindane para esse estado de coisas, que podia ser caótico, se mostra presente muito rápido. União Instável é uma produção de onde nunca tememos que se caia de nível, ou de ritmo, tamanha é a confiança que o projeto passa tão rapidamente. 

Existe um modelo de cinema solar que protagonistas pretos já adquiriram no exterior faz muito tempo, graças ao sucesso de produções que permitam a essa parcela de sonhar com algo além de uma sobrevida, e que é sinalizada na cena que Alex se descontrola com seu melhor amigo a respeito de quem será visto como usuário e traficante na relação entre eles. Parece pouco e bobo para mim e qualquer outra pessoa que viveu as benesses de ser branco, mas União Instável mostra sem bradar que, mesmo em lugares diferenciados, tais corpos ainda estão sujeitos a tal memória do horror. Além disso, o filme ainda reconstrói nossas certeza acerca do clichê, como em cenas como a do temporal com o avião aos pedaços, ou o casal mais improvável que o filme uniu, e que nos provoca genuína emoção ao mostrar que o LGBTQIAPN+ fora dos padrões e idades aceitáveis tem espaço no filme. Sim, são muitos acertos. 

Existe um ‘pequeno’ problema em União Instável, que desequilibra a harmonia coletiva. Em meio a um elenco que não apenas é excelente como está impagável (da incrível Dandara Mariana às deusas Tatiana Tibúrcio e Vilma Melo, passando por Estevam Nabote, às participações de Cristina Pereira e Katiuscia Canoro e o carinho com Zezé Motta, Antônio Pitanga e Negra Li), escalar Dan Ferreira como protagonista é uma baita bola fora. Uma carreira que cresceu na tevê sem demonstrar o talento suficiente para tal, Ferreira chegou aos cinemas e continua decepcionando, trabalho a trabalho. Sua parceria com Mariana é muito irregular, porque a moça é ela sim um achado que só demonstra crescimento, ao lado de uma ladeira que não pára de descer. Uma cena em particular, em que precisa mostrar várias versões de um diálogo com uma possível contratante, deixa claro o que o resto do filme será visto: feliz, triste, preocupado, irritado, melancólico, apaixonado, Ferreira está sempre em um mesmo e único tom/rosto. 

Ainda que estejamos falando do protagonista, ninguém que contracena com ele perde o passo, e entregam tudo o que União Instável precisa para mostrar que Guindane está no lugar certo. Um filme de história ágil e envolvente, momentos verdadeiramente divertidos, e um elenco que se sobressai a todo momento, não deixe que um protagonista desastrado estrague a experiência deliciosa que a Netflix coloca no ar, cheia de positividade e uma representatividade múltipla, cheia de camadas. 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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