Crítica | Streaming e VoD

XX

(XX, CAN/EUA, 2017)
Terror
Direção: Roxanne Benjamin, Karyn Kusama, St. Vincent, Jovanka Vuckovic
Elenco: Natalie Brown, Jonathan Watton, Peter DaCunha, Peyton Kennedy, Ron Lea, Michael Dyson, Melanie Lynskey, Seth Duhame, Sanai Victoria, Sheila Vand, Casey Adams, Breeda Wool
Roteiro: Jack Ketchum (conto), Roxanne Benjamin, Karyn Kusama, St. Vincent, Jovanka Vuckovic
Duração: 80 min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

Antologias de terror são bastante comuns no cinema. É usual que diretores do gênero se unam para compor uma obra variada que una o fantástico ao mais tradicional horror. Em XX, disponível na Netflix, a grande diferença é que essa composição é toda pensada e realizada por diretoras mulheres. Nas quatro histórias, todas bastante identificadas com o feminino, o conjunto criativo não precisam ser terceirizado. E isso, independente de qualquer resultado, é incrível.

As quatro diretoras que assumem o desafio são bem diferentes entre si e têm experiências profissionais também diversas: Roxanne Benjamin, Karyn Kusama, St. Vincent e Jovanka Vuckovic. Há ainda uma quinta integrante do time, a diretora, animadora e diretora de arte Sofia Carrillo, criadora das incríveis vinhetas que unem os segmentos. Todas as histórias, em exageros e metáforas, trazem cobranças e situações muito familiares a maioria das mulheres.

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Quem abre o filme é Jovanka Vuckovic que, na direção, dedicou-se especificamente ao cinema fantástico. Eclética foi a responsável pelos curtas-metragens The Captured Bird (2012), Self Portrait (2012) e The Guest (2013). Em XX ela assina o segmento The Box. Sem ser assustadora, a história busca na angústia o seu lugar. A fábula de uma família que vê sua vida mudar após o filho caçula olhar dentro da caixa de um desconhecido é uma adaptação da própria diretora de um conto de terror homônimo de Jack Ketchum. Pode parecer banal, mas está ali falando de culpa materna e da imposição de uma postura a ser adotada por todas as mulheres que decidem ocupar esse papel.

O filme tem essa preocupação de se estabelecer de modo que se compreenda a dinâmica daquela família, que vai se desfazendo aos poucos. Vuckovic, uma diretora bem afeita ao visual, não perde a oportunidade, mesmo que aproveitando-se de um subterfúgio, de fazer suas experiências estéticas ligadas ao corpo.

A cantora St. Vincent já foi listada várias vezes em diversas trilhas sonoras, e faz aqui a sua estreia na direção, como Annie Clark. Ela também assina o roteiro de The Birthday Party, ao lado de Roxanne Benjamin. O segmento acompanha uma mãe em desespero para não deixar um acontecimento estragar a festa de aniversário da filha.

Mais voltado para o humor, o segmento dá uma outra forma para uma ausência paterna para lá de comum e os traumas que deixa. Clark busca o ritmo do filme nos cortes e define seu tom com elaborações nem sempre muito comuns no cinema de horror. Embora seja promissora, é a mais afastada do gênero entre as quatro.

XX é o segundo filme e a segunda antologia da produtora Roxanne Benjamin, que estreou na direção com Southbound (2015). Em voo solo, recentemente ela realizou o curta Final Stop (2018), thriller produzido pela Sennheiser e todo filmado com um iPhone. Seu segmento, de volta ao terror fantástico, é o Don’t Fall, sobre uma turma de amigos que vai acampar e é atacada. Questões como essa importância do ter uma posição social e estar integrado ao grupo, sentindo-se parte daquela sociedade, estão também ali.

Benjamin gosta de brincar com criaturas fantásticas, monstros, e encontra espaço para fazer isso em sua história. Há todo um jogo de perseguição, outra coisa que ela também gosta de fazer, e sustos comuns em acampamentos, que estabelecem a dinâmica do segmento.

Quem encerra a antologia, com Her Only Living Son, é Karyn Kusama, a mais experiente e a de currículo mais diversificado. Ela dirigiu muita coisa para a televisão e começou no cinema com os filmes de ação Boa de Briga (2000) e Aeon Flux (2005). Seu maior sucesso comercial foi o terror Garota Infernal (2013), mas ela também fez sucesso entre o público indie com o filme O Convite (2015). Seu último filme, O Peso do Passado (2018), com Nicole Kidman, estreia no final do ano nos Estados Unidos.

Com uma história mais pessoal e existencialista, encontra naquela batida concepção sobrenatural a conexão para falar da difícil relação materna. Kusama até explora outros espaços, mas restringe o local para encontrar o terror, trabalhando principalmente com a luz e a disposição cênica no melhor dos quatro clímaces.

O grande mérito de XX é fazer com que histórias tão comuns às mulheres se realizem de maneira tão inusitada e afastada da literal, como qualquer bom terror. Além disso, não é possível desprezar a notória diferença que existe quando as próprias mulheres podem trazer ao universo fantástico essas realidades que são de todas e também delas.

Porém, por mais que as qualidades sejam evidentes, XX tem aquele problema extremamente comum em antologias: o desequilíbrio entre seus segmentos e a diferença de segurança para realizá-los. A variação de tons aqui é bastante incômoda e, por mais que as vinhetas sejam uma atração à parte, elas não são capazes de fazer com que isso chegue de maneira menos incômoda.

Ainda assim é um filme que tem as suas descobertas e associações e que consegue funcionar a contento se a intenção não for nada tão elaborado assim.

Um Grande Momento:
“Posso ver?”

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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