- Gênero: Terror
- Direção: Faye Jackson
- Roteiro: Faye Jackson
- Elenco: Lara Belmont
- Duração: 10 minutos
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Era uma vez, lá na Europa, uma crença. Segundo ela, seres mágicos como fadas, elfos e trolls teriam como hábito trocar bebês humanos por seres chamados de auf, ou seja, criaturas com características humanas deixadas para trás numa prática batizada de changeling. É possível que a origem da lenda – algo muito comum nesse universo fantástico – esteja no preconceito contra bebês com alguma deformação física ou doenças, mas também é possível transformar isso em representação de outra realidade. É o que faz a diretora Faye Jackson em sua fábula bizarra sobre a maternidade.
No último ano, Jackson impressionou com dois filmes bem diversos entre si de horror/fantasia, ambos selecionados para o Nightstream Festival: Snowflakes, sobre migração e racismo, pelo Overlook; e o próprio Changeling, pelo BUFF. Se em um há um afastamento prudente, no outro a associação é perceptível. Tanto que a diretora abre mão das palavras para construir toda sua história em elementos e atuação. Aliás, o filme não funcionaria se não fosse a sumida Lara Belmont no papel principal.
O curta parte da inação. Há provocação e demora da resposta, em uma sequência que reproduz um cansaço e a falta de energia que nem todo mundo conhece, mas quem conhece identifica de pronto. Entre todo gozo e cansaço, apenas a não-vontade ali expressa em menos de 30 segundos. Mas Changeling vai além, fala de tudo: a vigilância, o instinto de preservação da cria, o cuidado, o apego. Os movimentos vêm acompanhados da transformação fantasiosa da trama, elementos alados, delírio – aqui numa cena deslocada que não tem muita função – e pavor.
Algumas construções são primorosas, como a do rato na sala, visto primeiro pelo espectador, e sua contraposição a um homem bêbado que surge em segundo plano no fundo da cena. Depois de tanto tempo acompanhando aquela mãe com aquele bebê em cólicas, é difícil dizer quais dos dois animais intrusos é mais repulsivo. Changeling vai todo se construindo assim, encontrando similaridade de representação em universos distintos, o imaginário e o real, o mágico e o cotidiano.
Juntando o apuro estético ao timing certeiro, a segurança na construção da tensão pelo inusitado e na condução da atriz à ousadia, o curta é um ótimo exemplo de como o cinema fantástico possibilita abordar temas tão diversos em suas muitas colunas e caminhos de projeção e reconfiguração. Uma lenda, com sua origem preconceituosa transmutada e reapresentada como um conceito mais do que comprovado, consegue traduzir o que é ser mãe recente, e, assim como o filme, vou te contar: é duro!
Um grande momento
Um rato