- Gênero: Documentário
- Direção: Michael Seligman, Jennifer Tiexiera
- Roteiro: Michael Seligman, Jennifer Tiexiera
- Duração: 101 minutos
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Uma caixa contendo centenas de cartas dos anos 1950 endereçadas a Reno Martín é encontrada em um depósito. Reno, um destinatário não prontamente revelado que não segue as instruções de seu amigo, deixou um verdadeiro tesouro para as futuras gerações. O dispositivo não é novo em documentário: os remetentes são procurados e aos poucos vai se revelando a movimentada e curiosa cena queer da Nova York da época. Dirigido por Michael Seligman e Jennifer Tiexiera, ambos assumindo pela primeira vez a função, mas nomes conhecidos, ela na edição e ele na produção, inclusive do maior e mais conhecido reality de drag queen da história da TV, RuPaul Drag Race, P.S. Burn This Letter Please é um resgate emocionante da história LBTQIA+ estadunidense.
Sem inventar na fórmula, o documentário, apresentado no Tribeca Festival 2021 e já disponível no streaming discovery+ nos EUA, se constrói com depoimentos, imagens de arquivo e a leitura de trechos das cartas. Embora ganhe pontos ao definir características para cada uma das drags — suas cartas são diferenciadas não apenas pelas vozes e pela grafia, mas também por padrões que se associam a suas personalidades –, a repetição das cabeças falantes e a pontuação da trilha sonora não são elementos que acrescentariam muito ao filme se não fosse seu conteúdo realmente extraordinário.
P.S. Burn This Letter Please tem duas figuras que se destacam mais: Reno, o amigo que serve como uma espécie de ponto de conversão da cena drag queen nova-iorquina, mesmo que à distância, e Josephine Baker, a mais exuberante de todas, que deixou sua marca na memória de todos, mas traz um universo composto por outras de enorme grandeza, como Daphne, Adrian, Terry Howe, Robbie Ross, Claudia, Dayzee Dee, Terry Noel, Rita George e Tish. O longa explora todo o brilho das rainhas nas noites e as histórias de composição de suas personagens, além de falar da rede de apoio e do forte senso de união entre elas.
A forte ligação e todo esse senso de proteção e cuidado, demonstrado pela própria rede estabelecida com as cartas e pela proximidade entre as histórias contadas por aqueles que falam está intimamente atrelada a uma realidade nada glamurosa e bonita, a do preconceito que, se hoje ainda é terrível, cruel e responsável pela morte de milhares de pessoas no mundo, à época, com a invisibilidade ainda maior, era ainda pior. A rejeição da família, as agressões constantes, o sentimento de inadequação e não pertencimento são uma constante. “Se você quer ser uma ‘susie’ não deixe que os pecados do seu coração apareçam na sua cara!”
Mas se o tom é pesado em muitos momentos, e seria impossível não ser, visto que a nossa sociedade é apodrecida e está léguas longe da conscientização e da percepção do outro enquanto ser humano igual e digno de direitos, P.S. Burn This Letter Please equilibra ao trazer passagens divertidas, como a maravilhosa história da invasão do Metropolitan Opera. O longa traz ainda outras questões de interesse como as diferenças dentro do mesmo universo, a transexualidade e a representatividade negra na cena daquele período.
Entre a saudade daqueles que contam suas histórias e lembram seus momentos de glamour há mais de 60 anos, e a montagem para receber os aplausos no presente e ser ver acolhido e representado numa parada gay como jamais existiria na época, P.S. Burn This Letter Please é um filme que supera sua forma para fazer chorar e fazer rir. Um documento que, independentemente de sua forma, tem um valor histórico inegável.
Um grande momento
O caso das perucas