- Gênero: Comédia
- Direção: Benoît Forgeard
- Roteiro: Benoît Forgeard
- Elenco: William Lebghil, Doria Tillier, Philippe Katerine, Alka Balbir, Antoine Gouy, Darius, Anne Steffens, Bertrand Burgalat, Sébastien Chassagne, Clémence Boisnard, Mathilde Lamusse
- Duração: 107 minutos
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Nós somos o que compramos? O consumismo e a tecnologia nos define a ponto de nos transformarmos no que deveria apenas nos auxiliar? Tudo sobre Yves é uma comédia francesa muito ácida que estreou essa semana na plataforma Reserva Imovision e mostra essas questões de maneiras práticas e absurdas, em convivência normatizada com o código vigente social. Ao mesmo tempo em que o esdrúxulo é percebido, ao olharmos à nossa volta e vermos a quantidade de traquitanas falantes que nos cerca hoje, as chamadas inteligências artificiais, o filme parece não estar muito longe da nossa vida real — com um toque agudo. Ou cinco.
O filme encerrou a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes em 2019 e sua matéria-prima nos faz imaginar que Quentin Dupieux (de Rubber e Deerskin) ganhou seguidores atentos. O diretor e roteirista Benoît Forgeard segue uma cartilha do absurdo e da progressiva adequação do mesmo em parâmetros naturalistas que tem Dupieux como atual estandarte no cinema, ainda que aqui o filme pareça ter uma intencionalidade “humana” mais próxima — ou no quão humano seria dar vida a uma geladeira, a ponto dela virar uma celebridade perseguida pela mídia, cantora de rap e concorrente ao maior concurso de música europeu.
Todos esses elementos são inseridos em um longa que já não apresenta um protagonista muito dentro dos padrões. Jerém é um aspirante a rapper fracassado, com um projeto autoral que nunca sai do campo das ideias, e que vive uma existência ordinária. Ao ser escolhido para um projeto inovador ao lado de um refrigerador inteligente, o personagem vai adquirindo camadas de egocentrismo, antipatia e aversão social crescentes, no que acaba também por alimentar o seu entorno, ou mais precisamente Yves, seu mais novo melhor amigo. A receita para o caos começa a ser preparada e o espectador só acompanha essa jornada com cara de desastre.
A relação entre os protagonistas do filme, o humano e máquina, segue o padrão que a própria narrativa sugere, um adquirindo a personalidade do outro, Yves nada mais é do que o alterego de Jerém, ou mais precisamente o primeiro seria o que segundo seria, se fosse um pouco mais corajoso e/ou tivesse um tanto menos de caráter. É nesse momento que o filme ganha tintas mais reflexivas, mas sem jamais perder o tom de humor bizarro, ou tornar didática uma discussão em torno da necessidade crescente que a sociedade tem em possuir para posteriormente descartar, sejam objetos ou pessoas.
No caminho dessa discussão, Forgeard transita dentro da bizarrice, que incluem cenas de “sexo explícito”, o julgamento mais surreal já visto e uma tentativa de homicídio absolutamente nonsense, porém sua verve não abraça o risco por completo como seu aparente mentor já fez em produões como Wrong justamente porque suas reflexões o impelem a algo mais concreto, como se estivesse no meio do caminho entre Dupieux e a dupla de autores Gustave Kervern e Benoît Delépine (de Mamute e A Grande Noite). Seu olhar procura no humano a resposta dessas mesmas inquietações sociais do hoje, refletindo o social através de sua versão mais fora dos padrões.
Com um elenco que já agrega também tipos fora da normatização vigente — como William Lebghil (premiado por Primeiro Ano) e Philippe Katerine (premiado por Um Banho de Vida) — Tudo sobre Yves tenta não fazer concessões ao levar uma narrativa relativamente já conhecida do público em um contexto sem paridade atual. Jogando até com os códigos de gênero masculino-feminino em contraposição ao que o cinema está acostumado a mostrar (homens fracos e dependentes vs. mulheres poderosas e determinantes), o filme é uma saída incomum para questões muito comuns.
Um grande momento
O julgamento