- Gênero: Suspense
- Direção: Elie Wajeman
- Roteiro: Agnès Feuvre, Vincent Macaigne, Elie Wajeman
- Elenco: Vincent Macgaine, Pio Marmaï, Sara Giraudeau, Sara Le Picard, Lou Lampros, Florence Janas, Ernst Umhauer, Sekouba Doucoure, Sylvain Jacques
- Duração: 82 minutos
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Madrugada em Paris, estreia nos cinemas desta semana, não é exatamente uma novidade, nem na seara profissional em que flagra. Ano passado, o igualmente francês O Bom Doutor chegou às nossas telas mostrando a realidade desse médico que atende as residências em altas horas parisienses, mas era ótica cômica por lá. Aqui, estamos colados em Mikael, um desses médicos que varam a cidade por longas horas e está à beira de um colapso, com muitas chances de sucumbir a um dos encontros que irá ter. Como em Joias Brutas ou Depois de Horas, a força da cidade também devora quem se coloca à beira do abismo, mesmo sem querer.
A leitura de um homem gradativamente apartado do que precisa fazer é um ponto de leitura rico, que rende camadas cheias de rigor cinematográfico. O diretor Elie Wajeman é jovem, mas já está no terceiro longa metragem e demonstra aqui condições de vôos cada vez mais substanciosos. Essa radiografia de um homem andando em fios de alta tensão captura um estado de angústia não apenas de seu protagonista, mas de quem está intrinsecamente ligado a ele, vários mundos em rota de colisão. Mikael percebe aos poucos que suas ilusões não o tiram do caminho da verdade, aquela que liberta a todos; ele, ao contrário, costura a própria rede de equívocos.
Essa invasão pela vida noturna de uma grande metrópole, sua fauna perigosa vista através de um recorte do submundo que seduz e se aproxima cada vez mais, é um palco fílmico com alguma recorrência, mas cujo mote funciona com bastante frequência. No caso de Madrugada em Paris, é o seu protagonista que encampa uma descida ao inferno através do jogo de erros em que se meteu por todos os lados por onde olhamos. É a força gravitacional da cidade que chama por sua alma, mas foram deliberadas escolhas suas que o trouxeram para o centro de uma disputa por remédios contrabandeados, traição em família e briga por território de máfia estrangeira; nem o amor é capaz de servir como válvula de libertação.
O ritmo construído pela montagem carrega o filme de um senso de urgência e de melancolia, ao mesmo tempo. Mikael é uma figura que carrega em si esses dois elementos, mas que não é tratado como vítima ou pária em momento algum. O filme também não pretende diminuí-lo, ou tratá-lo como uma figura menor; é um homem que desperta desejo, e cuja compaixão é deixada ao cargo de espectador. A produção em si não o julga, e trata de mostrar todos os seus lados – seus erros como homem, seus acertos como pai, seus erros como marido, seus acertos como profissional. Mikael não é ambíguo, mas complexo, contraditório, profundamente humano e falho, mas também não é fraco; se a noite tenta derrubá-lo, ele a enfrenta com convicção, sem reservas.
Todos os esforços seriam em vão se o elenco não estivesse acima da média, e Pio Marmaï, Sara Giraudeau e Sara Le Picard fazem uma base de excelência para um ator desempenhar seus solos de maneira brilhante. E a verdade é que já passou da hora de Vincent Macgaine ser reconhecido como um dos maiores de sua geração, até aqui pelos magníficos serviços prestados. Em obras como Vidas Duplas, Dois Irmãos e Amores Infiéis, Macgaine foi explorado em um registro onde equilibrava diversas emoções, como uma pitada cômica enluvando uma certa melancolia, um deslocamento de seu universo, como se não devesse estar naquela situação específica. Aqui o jovem ator se mostra ainda mais vulnerável e dolorido, marcado por uma implacável sede de desejo no olhar. É um personagem trágico por excelência, desses que sabemos estar acompanhando uma queda veloz no tempo fílmico, mas que se arrasta por muitas outras madrugadas.
Macgaine é o grande trunfo que veste toda a extensão de Madrugada em Paris em credibilidade. É um estudo de personagem cruzado com um estudo espacial muito transformador, tanto do relevo humano quanto do geográfico. É a presença e o entendimento de ator que ele carrega que arrebanha os relevos sociais do filme, e que eleva a produção para além do que geralmente já vimos desse tipo de produção. Sua condução, junto a velocidade que Eijeman imprime, que dão ao longa sua relevância estética, contribuindo para tornar a experiência mais exasperante. Quando enfim Mikael dá conta que não tem como ganhar sem perder muito, que a energia do ator finalmente arrefece e o filme ganha um pós-evento – a ressaca moral diante da quantidade de erros que você acumulou.
Um grande momento
“Nós não vamos fugir”