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Animais Fantásticos – Os Segredos de Dumbledore

Nos lugares errados

(Fantastic Beasts: The Secrets of Dumbledore, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Fantasia
  • Direção: David Yates
  • Roteiro: Steve Kloves, J.K. Rowling
  • Elenco: Eddie Redmayne, Jude Law, Ezra Miller, Dan Fogler, Alison Sudol, William Nadylam, Callum Turner, Jessica Williams, Victoria Yeates, Poppy Corby-Tuech, Fiona Glascott, Katherine Waterston, Maria Fernanda Cândido, Richard Coyle, Oliver Masucci, Valerie Pachner, Aleksandr Kuznetsov, Mads Mikkelsen
  • Duração: 142 minutos

Toda história é composta de vários momentos, alguns mais emocionantes, outros engraçados e outros ainda cheios de adrenalina. Ao escrever um livro ou fazer um filme, essa história é arranjada para que o leitor ou espectador se conecte verdadeiramente com ela. Há toda uma carpintaria do autor para criar e estabelecer esse interesse, para conquistar aquele que ele quer envolvido até o final, e os primeiros momentos são fundamentais. Em Animais Fantásticos – Os Segredos de Dumbledore, o diretor David Yates destaca, acertadamente, aquilo que existe de mais poderoso para a abertura do filme, chama a atenção e mostra que sabe o que precisa fazer. Porém, essa costura não é tão simples quanto parece, e há um abismo muito grande entre a abertura e o que vem a seguir. A história, como um todo, se desequilibra, o interesse em parte supera o interesse no geral.

Responsável pelos longas mais maduros e pesados da saga Harry Potter, entre eles o excelente O Enigma do Príncipe, o diretor inglês assumiu a franquia derivada Animais Fantásticos desde o primeiro filme e aqui tenta imprimir um ar menos juvenil do que o dos títulos anteriores. Dentre seus desafios estão superar a marca de fácil associação ao universo infantil de Newt Scamander, o magizoologista com suas criaturas mágicas; e criar uma nova relação com o vilão Gellert Grindelwald, num novo e mais denso registro. A coprotagonização, como adianta o subtítulo, soluciona bem a primeira questão ao entregar a Alvo Dumbledore, figura amadíssima do universo criado por J.K. Rowling, parte significativa da trama. Esse movimento engrandece também a figura do antagonista agora vivido por Mads Mikkelsen.

Animais Fantásticos - Os Segredos de Dumbledore
Jaap Buitendijk/Warner Bros.

Substituto de Johnny Depp, o ator dinamarquês tem uma abordagem muito diferente e entrega um Grindelwald mais perverso, contido e crível do que o de seu histriônico antecessor. Embora se dedique à mudança, Mikkelsen sabe que precisa manter o vínculo entre as figuras, a conhecida e a agora apresentada, e, sutilmente, incorpora trejeitos e marcas do passado à nova persona. O trabalho é impressionante e a isso soma-se a química entre ele e Jude Law, que volta como Dumbledore. Amantes do passado, com uma daquelas histórias de amor mal resolvido, para complicar entre pessoas antagônicas e de ideologias opostas, em cena junto com eles estão sentimentos como paixão, tesão, frustração, arrependimento e outros. Não há nenhuma dúvida que aí está a força do filme, e é isso que Yates aproveita para fisgar o espectador e mantê-lo ali enquanto conta a história de tomada de poder e a eterna luta entre o bem e o mal que estava por trás de tudo.

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Diferentemente dos três últimos filmes do universo mágico de Potter, Yates não consegue dar unidade a Os Segredos de Dumbledore, talvez porque o contraste entre tons e ânimos dentro da história, aqui na franquia de Newt, seja mais evidente. O mal e a opressão que tomam conta de Hogwarts com o retorno de Voldemort e a morte de Dumbledore determinam o peso daqueles filmes. Lá, o diretor tem uma narrativa que foi construída por anos, além-tela inclusive, e pode mergulhar nesses sentimentos; aqui, não. Embora haja familiaridade com o universo de Animais Fantásticos, em livros e filmes anteriores, não é possível comparar engajamento e envolvimento. Ainda que ali esteja Alvo novamente, com histórias familiares e segredos esperados, é preciso ainda criar laços com outros personagens, situar temporal e regionalmente aqueles eventos e coisas assim.

Animais Fantásticos - Os Segredos de Dumbledore
Jaap Buitendijk/Warner Bros.

É necessário encontrar um equilíbrio para acessar esse novo mal personificado em Grindelwald e tudo que de obscuro ele traz. O longa passa boa parte do tempo tentando, e nem sempre consegue, principalmente porque quer demais. Desde tempo gasto com alongadas mímicas com escorpiões mágicos até a mal desenvolvida solução do personagem Creedence (Ezra Miller), Os Segredos de Dumbledore tropeça várias vezes, deixando os efeitos especiais dos portais mágicos e das bem construídas cenas de luta ofuscarem tantas outras coisas. E há uma mensagem muito poderosa que se enfraquece com a perfumaria. O roteiro, assinado por Rowlings e Steve Kloves, é muito direto em seus pontos e naquilo que quer abordar, em especial, a ascensão do fascismo, com toda sua verve populista, seu ódio a minorias e desejo de dominação mundial. Isso está ali, mas não tanto, vide a relação que se estabelece com a trama política ou mesmo a atenção dada à pobre da candidata da oposição Vivência Santos, papel da atriz brasileira Maria Fernanda Cândido.

O que também acaba escondido por conta desse descompasso de tom do conjunto, são a homofobia e a xenofobia que marcam de maneira perturbadora a história de Dumbledore e Grindelwald, em sua aproximação e ruptura. A tensão da relação entre ambos, como já dito, são o poder e a derrota do filme, por serem muito maior do que tudo nele. Yates entende a força, e talvez ao se encantar aqui, esqueça-se do resto; e não há muito como descrever o que Law e Mikkelsen fazem com esses dois personagens nesses momentos. Cada suspiro, tremida de queixo e olhada de canto de olho trazem sentido à jornada desses dois homens que têm a história conhecida a partir daquele ponto. Um baita fan service, é claro, mas um presente para aqueles que gostam de ver boas interpretações também, principalmente em lugares inesperados.

Um grande momento
A luta final

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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