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Agulha no Palheiro Temporal

O eterno efeito borboleta

(Needle in a Timestack, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Fantasia
  • Direção: John Ridley
  • Roteiro: John Ridley
  • Elenco: Leslie Odom Jr., Cynthia Erivo, Freida Pinto, Orlando Bloom, Jadyn Wong, Ulka Mohanty, Gourav Shah, Laysla de Oliveira
  • Duração: 111 minutos

Depois do aparecimento de Black Mirror enquanto projeto, a dramaturgia mundial começou a prestar atenção em obras com um teor fantástico que desafiasse os conceitos de originalidade e geralmente envolvesse algum tipo de lei universal imutável, exatamente como na série televisiva. A recente estreia da Amazon Prime Video Agulha no Palheiro Temporal, baseada em um romance de Robert Silverberg, evoca essas características através de uma história essencialmente romântica, e cujas bases vão se fortalecendo cada vez mais em um ideal de romantismo que acaba por abarcar outras discussões. A mais básica delas, que aparece de alguma forma em qualquer filme que explore uma situação envolvendo casais, é a ideia do destino imutável, desses que nenhuma estratégia artificial consiga adulterar o que já está escrito. 

John Ridley é o diretor e adaptador da obra, que ganhou um Oscar pelo roteiro de 12 Anos de Escravidão, coroando uma carreira iniciada na hoje clássica série Um Maluco no Pedaço. Esse é o segundo trabalho na direção de longas metragens de Ridley, que encontra aquele tom tradicional que procura um certo naturalismo dentro de possibilidades fantásticas, encaradas com tranquilidade por seus personagens. O filme precisa envolver o espectador inicialmente em uma trama que já se apresenta pela metade e sem elipses, que de maneira gradativa vai entendendo o que acontece à volta de suas ações. É uma forma de capturar a audiência mantendo uma curiosidade que não é saciada de cara; até o fim ainda parece que novos desdobramentos narrativos surgirão a qualquer momento desse quatrilho formado pela narrativa. Em cena, isso é uma ferramenta de roteiro que permite ao público uma impressão de mergulho coletivo com a autoralidade em sua obra. 

Agulha no Palheiro Temporal
Lionsgate

No entanto, não existe algo exatamente original em Agulha no Palheiro Temporal, ao contrário do que poderíamos a princípio acreditar que seria seu interesse. Há sim uma tentativa de elucubrar para além dos limites uma história até bem básica, envolvendo viagem no tempo, alteração do futuro através de mudanças do passado e (re)criação de novas realidades. O que sugeriria delicioso na primeira passagem envolvendo os tais rearranjos de realidades, é esquecido enquanto artifício estético bem rápido, também esquecendo de desenvolver essa questão narrativamente. A ideia que prega uma peça no espectador menos atento então, com a troca da espécie animal do casal protagonista, não passa de uma travessura do roteiro, que infelizmente não volta a exibir tal vigor, marcando passo para reanimar uma discussão que não deveria ser tão séria.

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O caminho escolhido passa a ser o das investigações amorosas de Nick, o personagem vivido por Leslie Odom Jr. (indicado ao Oscar por Uma Noite em Miami…). Apaixonado por Janine (Cynthia Erivo, indicada ao Oscar por Harriet), Nick teme perder sua esposa para o ex-marido dela, Tommy (Orlando Bloom, de O Senhor dos Anéis), através de um sistema onde ele poderia voltar no tempo para reconstruir essa relação com a ex. A cada possível volta no tempo, sutis alterações da realidade fazem Nick perceber que eles estão indo longe demais, até perder suas próprias histórias. O filme engata nessa engrenagem de caminhar no tempo, sempre alternando o que foi visto, vivido e sentido, assim como mudar todo o presente e também o futuro. A partir de estabelecer esse conceito, o filme perde ritmo e passa a se ocupar quase exclusivamente da melancolia relacionada às perdas amorosas de seu protagonista. 

Agulha no Palheiro Temporal
Lionsgate

Quem acaba por salvar a experiência é o bom elenco, especialmente três dos personagens principais, os já citados Odom, Erivo e Bloom, os três muito comprometidos com um olhar mais simples em relação àquelas situações. Tanto Erivo quanto Bloom surpreendem até, tendo em visto que o segundo foi pouco testado com qualidade, e a primeira ainda não tinha comprovado seu talento, que anteriormente era sempre muito excessivo; já Freida Pinto é mais uma vez o tom destoante do seu grupo, com uma postura sempre cansada. O filme acaba por funcionar sem maiores reclamações graças à alguns belos momentos, como a da abertura, onde Janine chora em close para a câmera onde grava uma aparente despedida, mostrando o que a atriz até agora não tinha ameaçado apresentar, e vemos aí sim suas capacidades.

É no mínimo decepcionante que Agulha no Palheiro Temporal tenha vislumbrado uma ideia de lidar com as questões de ficção científica de maneira mais pessoal, quando percebemos que na verdade não tem nada de muito exemplar acontecendo para chamar a atenção de ninguém. É um passatempo esticado além da conta, que adquiriu as rebarbas de Black Mirror e esqueceu de apresentar uma das maiores coisas da série: sua curta duração. Faltou também ao filme de Ridley dinamizar sua produção, porque duração não é sinônimo de qualidade, e aqui até atenta contra o resultado final. 

Um grande momento
O desabafo inicial de Janine 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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