- Gênero: Drama
- Direção: Fred Cavayé
- Roteiro: Fred Cavayé, Sarah Kaminsky
- Elenco: Daniel Auteuil, Gilles Lellouche, Sara Giraudeau, Nikolai Kinski, Mathilde Bisson, Yoann Blanc, Anne Coesens
- Duração: 115 minutos
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Um bom começo de cobertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2022 é encarar esse O Destino de Haffmann, filme que, dado meu histórico de implicância com o tema Segunda Guerra Mundial, tinha uma certa restrição prévia. Esse é um bom sentimento para encarar um filme, ir com a expectativa baixa e se preparar para um campo desprovido de méritos. O filme acaba por manipular você também, ao te envolver suavemente em uma trama de recursos psicológicos para dar conta de três personagens, basicamente. Aos poucos, vamos acompanhando a transformação dos três, de seus estados originários a uma espécie de caricatura do que seria a vida monstruosa durante o início do processo de ocupação alemã na França do início dos anos 40.
O diretor Fred Cavayé não é uma figura cujo talento já tenha sido comprovado, e seu primeiro filme, Tudo por Ela, rendeu um remake americano estrelado por Russell Crowe e é seu maior sucesso até aqui. Aqui ele adapta uma peça de Jean-Philippe Daguerre, e a própria produção se mostra dessa forma, tendo em vista que a ação na maior parte do tempo se desenrola no interior de uma joalheria que abriga também um apartamento. Isso não é um problema, porque a direção de Cavayé dinamiza o espaço cênico à exaustão, parecendo ocupar cada canto do cenário, ao mesmo tempo em que discorre sobre confinamento. Sua mão de diretor, que tem uma verve encaminhada para o thriller, leva essa propensão até um universo onde a tensão é a mola propulsora da ação.
O filme organiza algo que o cinema já tratou antes, o cordeiro gradativamente transformado em lobo, diante das circunstâncias e indo além, pois sente prazer na nova pele. Não é um conceito novo, mas as tintas utilizadas aqui, o ambiente claustrofóbico, a origem de cada um em cena, e o talento dos envolvidos, é um ganho para uma produção que poderia estar em lugar despercebido. É um mote até trivial, mas que consegue sair da banalidade quando lembramos das falas de Hannah Arendt a respeito da banalidade do mal, indo de encontro a um personagem que, em tese, é positivado. As transformações em cena, as sutilezas empregadas e a criação dessa mecânica de um trio em cena é o que elabora O Destino de Haffmann para uma apreciação de qualidade.
O ponto contra do filme é exatamente na forma como essas camadas de Mercier vão sendo apontadas pelo roteiro, ou melhor, como não vão. As intervenções a respeito da personalidade de um dos protagonistas não pode ser chamada de sutil, simplesmente porque ela é quase arremessada na direção do público sem aviso prévio. Quase como mágica, o filme vai de uma cena a outra montando um desdobramento de seu personagem-chave, com suas motivações sendo mantidas constantemente por trás de uma cortina de fumaça revelada em um diálogo entre Haffmann e Blanche, os outros protagonistas. “Você não deveria ter dado nada a ele, pois quando tínhamos nada, ele não queria nada”, é mais eficiente em sua eloquência do que o prosseguimento de cenas.
Esse é um problema, sem dúvida, mas O Destino de Haffmann consegue funcionar, a despeito disso, principalmente por conta de seu trio central espetacular. Daniel Auteuil é um dos maiores atores do cinema francês e aqui até parece fazer um mínimo esforço, mas esse mínimo na mão dele equivale a bastante coisa. Na mão de outro ator menor, sua delicadeza passaria incólume, e o seu trabalho revela tanto daquele homem, que fugiu para cair numa armadilha que ele mesmo criou. Sara Giraudeau (de Madrugada em Paris) mais uma vez demonstra um lugar de destaque na atualidade, com um desprendimento emocional invejável, repleta de sentimento em um corpo que está literalmente pedindo socorro, e se vê refém de uma disputa muda entre dois homens que estão se transmutando, dentro dela inclusive.
O Destino de Haffmann marca o que talvez seja o melhor momento da carreira de um nome já respeitado dentro da indústria, Gilles Lellouche. Reconhecido como ator e diretor, Lellouche está em momento especial; com três filmes no Varilux, tem aqui um momento especial na carreira, que pode elevar a forma como as pessoas o veem. Sua presença é tão impactante que o espectador é levado a torcer para que seu personagem acorde, mas isso seria diminuir a carga dramática entregue pelo ator, sequência a sequência. Aliado ao talento de seus colegas de elenco e da direção de Cavayé que equaliza um espaço de maneira impressionante ao transformar um lar em masmorra, o ator promove a elevação do material que se apresenta aqui, um conto sobre a transformação em tempos de guerra.
Um grande momento
A explosão de Mercier
Concordo com a crítica. Filme simplesmente maravilhoso. Foge completamente do que se vê hoje em dia: chavões e mais chavões. Quase sempre envolvendo violência, super´heróis, etc. Sempre o mais do mesmo. Mas, este filme realmente está acima dessa falta de qualidae. E sua crítica deixa isso muito claro.