Crítica | Festival

Querida Léa

Encontros e desencontros

(Chère Léa, FRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Jérôme Bonnell
  • Roteiro: Jérôme Bonnell
  • Elenco: Grégory Montel, Grégory Gadebois, Anaïs Demoustier, Léa Drucker, Nadège Beausson-Diagne, Pablo Pauly, Charlotte Clemens, Gaëtan Peau
  • Duração: 89 minutos

Ás vezes – ok, quase sempre – precisamos aprender a olhar os “problemas” como testemunha ocular, do lado de fora, sem tanto envolvimento. É difícil, ninguém está conjecturando diferente, mas é um caminho maduro para tentar observar quais são os caminhos onde estamos errando para a solução dos mesmos. Perceber que o mundo continua a girar à nossa volta, que outras vidas acontecem paralelas às nossas, e que diferente do que imagina nosso ego, todas as questões são importantes e dão equilíbrio e maturidade ao todo. Mais que isso até, nossas questões geralmente englobam outras pessoas; já paramos pra pensar se o que é bom pra nós, também é bom para o outro? Muitas questões foram levantadas na minha cabeça assistindo Querida Léa, mais uma boa descoberta do Festival Varilux 2022. 

Jonas quer reencontrar Léa, uma paixão de hoje mas que ele já não mais está. Esse é o ponto de partida da produção, que vai nos dando pistas muito parcimoniosas em relação a todos em cena. Nem é apenas uma questão de “nada ser o que aparenta”, mas muito mais eficaz seria observar que poucas vezes temos a compreensão completa a respeito das coisas. Mesmo quando estamos sendo diretamente afetados por um evento, estamos sempre à par de parte das informações; imagina com o alheio. Com isso, Querida Léa acende no espectador um frisson que muitos tem na vida real: como seria bom entender todo o contexto a respeito daquele universo que esbarramos em um café, no ônibus, no metrô, através de uma conversa alheia. Raramente conseguimos, e o filme parece se deliciar com a possibilidade de reconhecer isso também no público. 

Jérôme Bonnell é diretor e roteirista do filme, e também deve partir dele essas curiosidades a respeito do que nos une, enquanto seres emocionalmente pensantes – ou nem tanto. Seu olhar para essas idiossincrasias humanas é exposta de maneira delicada, sem julgamento a respeito do que seria minimamente aceitável, mas compreendendo que todos nós somos capazes de errar. Durante esse dia conturbado para Jonas, ele acaba conhecendo mais não apenas sobre os próprios sentimentos, mas sobre como se deixar levar pela força das circunstâncias. A vida, na maioria das vezes, é constituída pelas ações que cometemos, mas vez por outra as ações do alheia também se transformam na nossa vida, mesmo que momentaneamente. Sem forçar a narrativa para defender um naturalismo vigente, o autor está em busca de compreender a força do que nos impele à mudança, mais do que a força do tempo. 

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Todas as atenções são necessárias para acompanhar (caso queiram, claro) tudo o que é construído de paisagem sonora ao longo da produção. Faz parte desse exercício de busca pela apreensão do que acontece alheio à nós, e que está muito bem representado no movimento que Mathieu faz, em determinado ponto. Uns chamarão de fofoca (e, de alguma forma, estarão certos), mas Querida Léa tem em si e trás para o cerne da narrativa uma característica do personagem de James Stewart em Janela Indiscreta. Estar atento ao que acontece ao seu redor é uma forma também de fazer parte daquele universo integrado, e nunca esqueça que enquanto você está reparando em alguém, outros alguéns podem estar reparando em você. Ou seja, a nossa vida é tão interessante quanto qualquer outra. 

Para tanto, a forma como digerimos o filme é das mais calorosas, porque Bonnell têm interesse em todas as questões apresentadas aqui, mas também na comunicação popular. Tem um quê de comédia romântica agridoce na massa desse bolo, que desce de maneira fluida, tentando adicionar temperos surpreendentes a cada novo bloco de eventos. Sem obrigar reviravoltas de sua narrativa, Querida Léa apenas se oferta sem nervosismos, com a certeza de que as melhores refeições se comunicam com vários dos nossos sentidos, e não apenas o paladar. Com um elenco que sabe compreender tantos os valores dos diálogos quanto dos gestos, o sabor da experiência vivida segue surpreendendo – horas depois de assistido, o filme ainda está comigo, reverberando e promovendo novas percepções a respeito dessas encruzilhadas diárias que nos metemos. 

Um grande momento
Harriet 

[Festival Varilux de Cinema Francês 2022]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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