Críticas

O Mundo de Ontem

(Le monde d'hier, FRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Diastème
  • Roteiro: Gérard Davet, Diastème, Christophe Honoré, Fabrice Lhomme
  • Elenco: Léa Drucker, Denis Podalydès, Alban Lenoir, Benjamin Biolay, Jacques Weber, Thierry Godard, Emma de Caunes, Jeanne Rosa, Frédéric Andrau, Yannick Renier, Luna Lou
  • Duração: 89 minutos

Não dá pra esconder o incômodo de assistir O Mundo de Ontem; ser brasileiro, ver o lugar onde estamos e não sentir que todo o furacão que o filme mostra se aproximando, já nos pegou e destruiu. Somos sobreviventes de 2018, todos nós, e estamos em rumo de mais uma eleição, dessa vez parecendo afastar os males que chegaram em várias partes do mundo nos últimos anos. A ascensão da extrema direita, que infelizmente se formou em muitos países pelo mundo, cada qual com seu canalha particular, é provavelmente a pauta principal desse drama político desesperador. Rapidamente, percebemos todas as nuances dos quais o filme está tratando, e a reação é um misto de auto reconhecimento e posição fetal para chorar a respeito dos últimos anos, com golpes em curso e eleição de um ilustre demente para o cargo mais importante da nação. 

Esse é o quarto longa do diretor Diastème, que opera cirurgicamente na condução dessa narrativa passada ao longo das últimas 72 horas antes do primeiro turno da eleição francesa à presidência. Com duração muito enxuta, o filme é uma prova de fogo ao diretor que conta da maneira mais breve possível o momento de pânico diante de um tsunami previsto, mas impossível de ser remediado. Todo ambientado entre as paredes que devem ser as mais poderosas da França, o filme não dá descanso ao espectador sem jamais ser um filme de ação ininterrupta, ou um blockbuster escapista. Com muita precisão, seu autor entrega um título carregado de tensão a respeito do futuro político que o filme situa naquele país em específico, mas cuja metáfora hoje infelizmente cabe a muitos países pelo mundo, inclusive a nós.

O Mundo de Ontem
Cortesia Festival Varilux

É um mundo novo esse retratado aqui, e a ironia do título se deve ao retrocesso que essa direita celerada vem promovendo ao redor do globo, com a exacerbação de preconceitos múltiplos, o racismo, a homofobia, a intolerância religiosa e o reflexo social que isso provoca em pessoas desesperadas por qualquer mudança, mesmo a pior possível. O Mundo de Ontem ecoa os problemas mais urgentes da sociedade mundial na atualidade, o avanço da repressão política e do descalabro de governantes facínoras, mas não lida diretamente com as ações cometidas. O filme é um processo de observação de um estado de caos no qual estamos inseridos, uma eterna areia movediça do qual não estamos conseguindo sair, se não nos sujarmos muito mais do que imaginaríamos. 

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O filme relaciona dois pontos metafóricos desenvolvidos para seus protagonistas, na intenção de criar uma zona de entendimento extra fílmico de seus relevos. A presidente descobriu um câncer e está solitariamente batalhando contra a doença, enquanto tenta não sucumbir às pressões gerais, inclusive por sua cura, tratada como obrigatória por sua filha. Já o secretário-geral passa a produção lendo “Moby Dick”, de Melville, um retrato fiel da obsessão em vencer um inimigo maior do que a nossa própria existência. A ambos está a disposição leituras enviesadas para esses movimentos de roteiro; enquanto a presidente está adoecida, perdendo oxigênio para uma marcha conservadora que se aproxima, seu fiel escudeiro tenta vencer um desafio para o qual não foi preparado. Seus intérpretes, Léa Drucker (de Custódia) e Denis Podalydès (de Conquistar, Amar e Viver Intensamente) têm um encontro muito tocante, em cenas que exigem posturas contraditórias cena a cena. 

O Mundo de Ontem
Cortesia Festival Varilux

Sem tentar responder às questões mais prementes, o que Diastème tenta fazer é se inserir sob as unhas de seus dois protagonistas, a presidente da França em fim de mandato e seu secretário-geral. A relação de confiança estabelecida há 20 anos entre eles, e o eventual estremecimento que ocorrerá em uma crise deflagrada pela ameaça da vitória do candidato direitista, são o ponto de entrada para essa dupla no roteiro. O cenário que adentramos é muito do quanto o pessoal se embaralha com o público, e os bastidores familiares dessas duas figuras que estão passando por diferentes processos clínicos, um físico e o outro psicológico. Com toda a carga de pavor que o filme vislumbra para o futuro próximo, o interesse maior em cena é apossar-se do que lhes é particular, seus protagonistas, e ver suas personalidades serem minadas pelo caos sócio-político. 

Um grande momento
O copo d’água

[Festival Varilux de Cinema Francês 2022]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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