Crítica | Outras metragens

Big Bang

A liberdade, onde couber

(Big Bang, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Carlos Segundo
  • Roteiro: Carlos Segundo
  • Elenco: Giovanni Venturini, Aryadne Amancio
  • Duração: 15 minutos

Não dá pra ignorar o lugar onde se encontra Carlos Segundo, nesse momento. Seu filme anterior, Sideral, esteve em todas as premiações possíveis, desde o Festival de Cannes até chegar ao Brasil, em carreira exemplar. Pelo mesmo caminho vai esse Big Bang, sua nova produção que ganhou a seleção de curtas do Festival de Locarno, ganhou o Cine Ceará, e pelo visto isso será apenas o início de mais um ano – e no caso, consecutivo – onde o diretor estará merecidamente em todas as listas do ano. Quantos cineastas conseguiram algo tão robusto em tão pouco tempo assim? Segundo, ao lado de Leonardo Martinelli, é o nome a ser buscado na cena curtametragista brasileira hoje, com todo respeito a inúmeros outros nomes ascendentes a um espaço de constante renovação e experimentação. 

Quando olhamos para Big Bang, entendemos o parágrafo anterior não como reducionista a uma cena fervilhante como a do curta-metragem, mas o grau de comprometimento da área na atualidade com Segundo, e também dele com um momento de carreira único. É um lugar onde constantemente estão Nathália Tereza, Leonardo Mouramateus, Sabrina Fidalgo, Carlos Adriano, Léo Tabosa, a Filmes de Plástico como um todo, e tantos outros. O novo filme de Segundo o coloca em companhia a essa seleção, não apenas pelo merecido reconhecimento, mas pelo que o próprio vem realizando em sua carreira. A sensibilidade em curta duração é um processo de construção a que Segundo vem conseguindo transitar com repetida excelência, e sua carreira passa a ser acompanhada com justificado afinco. 

Big Bang (2022)
Cortesia Festival do Rio

Há uma adequação delicada de um personagem como o Chico dentro da obra, e que pouco foi aproveitado pelo cinema. Aqui no Brasil, Leonardo Reis protagonizou Altas Expectativas e deu ao mundo um pouco de seu talento no centro da narrativa, ao contrário de ser utilizado como atrativo redutor. Assim como Reis, Giovanni Venturini (de Maior que o Mundo) também é um ator PCD, no caso, ambos com nanismo. Sua condição é determinante para a narrativa do filme, já que ele é o único sobrevivente de um desastre justamente por ela. Isso não constitui a Big Bang um caráter único, mas sim com uma observação absolutamente condizente a um tema tão pouco explorado. 

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O lugar onde Chico está inserido, em seu trabalho, até poderia ser rotulado, mas o próprio desmistifica isso rapidamente -“eu estrago tudo que eu toco” – quando ele é pago para o oposto disso. A forma como Segundo vai dando pistas ambíguas em relação a seu personagem e a como ele reage ao mundo que o cerca, também ajuda a transformar nosso olhar para ele. Chico tem seu passado, seus traumas, sua vida estabelecida; tem dores como qualquer outro ser humano, e também tem um leque de motivações para não desistir. Big Bang é feliz em possibilitar ao seu protagonista um caminho de motivações e avanços, e nunca pensar diferente disso. 

Big Bang (2022)
Cortesia Festival do Rio

De alguma maneira, Segundo foge do paternalismo ao dotar Chico e os personagens ao seu redor de sentimentos muito diretos, nada medrosos. A forma como as pessoas tratam Chico, bem ou mal, reflete muito mais o estado de espírito e o caráter de cada uma delas, sem diminuir seu olhar social. Nem precisaria, já que o roteiro faz com que o protagonista encontre em seu caminho por inúmeros tipos, dotados de sentimentos de magnitude diferenciadas. Há os que exploram, há os que cuidam, há os que vociferam e há os que empatizam – nenhuma dessas ações, no entanto, advém do nanismo de Chico, mas de como cada uma dessas pessoas se veste para o mundo. 

Quase nenhum outro ator é visto em cena de Big Bang, além de Venturini; esse é um registro narrativo que o filme banca, que nos faz lembrar de desenhos animados à primeira vista, mas que apenas traduz o lugar onde Chico é colocado pela sociedade. Apenas Aryadne Amâncio sai de seu lugar para acessar Chico, em sua particular visão. É essa personagem que abre um olhar para o outro sem enviesamento, sem tendenciar, e acaba assim se vendo refletida em uma existência tão diferente a dela. Independente de como as pessoas estão ou são, há uma motivação social ao afastamento dos seres, que Marta não cultiva, libertando Chico para a catarse de sua última cena – e até a de antes dela, qual motivação tenha sido, naquela fumaça que vemos. O homem complexo e cheio de questões que Chico é, se abstrai em seu desfecho, amarrando a interpretação nuançada de Venturini; pela segunda vez no ano, o ator arrebata o espectador, aqui com a ajuda preciosa de um diretor que está “só começando”. 

Um grande momento
Chico e Marta

[Festival do Rio 2022]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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