- Gênero: Drama, Experimental
- Direção: Juan Posada
- Roteiro: Juan Posada, Bruna Spínola
- Elenco: Bruna Spínola, Léo Wainer, Leopoldo Rodriguez, Dina Moscovici, Mariana Ferreira, Felipe Feijó, Ricardo Lima
- Duração: 76 minutos
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Maria é uma atriz à beira de um colapso. Como se fosse múltipla (e uma mulher, por excelência, não precisa sê-la?), vê sua realidade em constante invasão pela arte, se degladiando com a vida real marcada pela perda. Essa poderia ser a sinopse de qualquer filme, mas está à mercê de A Filha do Caos, longa de Juan Posada e, porque não, Bruna Spínola, sua protagonista, autora do argumento e co-roteirista, corpo e rosto de Maria. Pelas mãos desses dois artistas, o filme se permite à experimentação de linguagem, e se desdobra a um caminho particular de busca narrativa. O que é permitido em cena, assim o é com assertividade dessa premissa, onde cabe o risco de suas escolhas.
Não se pode acusar diretor e atriz de manterem seu projeto dentro de uma caixa intacta. Mesmo na cavidade experimental, A Filha do Caos não sossega em si, por assim dizer. Na ânsia por descobrir sua protagonista e sua relação com seu ofício, esfacelada por uma experiência particular, Posada nunca costura sua narrativa até o ponto mais firme. O que vemos durante seus 70 e poucos minutos é um quadro de tentativa e erro estético, sempre retornando a uma base segura de representação – lógico, seguro dentro do que cabe a um cinema mais radical. Mas a partir dessa livre criação sua e de sua atriz, o diretor tem em mente um caminho de retorno para sempre se cercar, e não construir um espetáculo vazio de intenções.
O que pontua a produção é o desejo de experimentar novos caminhos de realização cinematográfica, e isso se confunde inclusive com a arte teatral, representada em cena por apresentações da montagem de ‘Édipo Rei’, feita por Maria e um grupo de atores. É uma subversão da linguagem de cinema, invadindo a narrativa de elementos teatrais que ocupam a narrativa de maneira progressiva. O que vai sendo criado em torno de A Filha do Caos é um material essencialmente híbrido, um mergulho profundo entre artes complementares até alcançar um registro inédito. Se o ineditismo não é proporcionado ao espectador enquanto conjunção de artes, ao menos cria-se um material de difícil classificação, que une ainda representações oníricas de caráter religioso.
Maria, a protagonista, se mostra amplificada pelas suas experiências, passadas e presentes. Por ter sofrido a maior perda que pode ser acometido a uma mulher, suas experiências são amplificadas pela maternidade perdida. E isso vai contaminando outras formas de percepção da realidade, trazendo o caos do título para dentro da sua vida. A Filha do Caos tenta demonstrar exatamente esse ponto de desequilíbrio do qual a personagem se encontra, e que afeta tudo que é intrínseco a ela. Fotografado em preto e branco, a granulação e a ausência de cor traduz essa desorientação gradativa, tirando da personagem as possibilidades de reconstrução pessoal. Nesse sentido, o que Posada tenta encenar é um manancial de angústias e prisões seculares das quais todas as mulheres estão propensas.
A longo prazo, a produção se mostra aberta ao reencontro de Bruna com uma centralidade, no encontro com um rabino vivido por Léo Wainer. O que A Filha do Caos promove com esse encontro é a dissolução de uma individualidade, que a religião tenta ocupar, reconfigurando potenciais gatilhos. O que faltava em uma zona, no futuro será rastreada por outras questões, onde igualmente o feminino estará à mercê. Vale a experiência radical de direção e narrativa, trabalhando em registros de improviso muitas vezes, para narrar o igualmente radical processo de reestruturação feminino diante dos infinitos traumas sofridos por figuras históricas, fictícias ou não. Maria encarna Jocasta, encarna Billie Holliday, para reencontrar sua centralidade – que o futuro seja menos doloroso para todas as Marias.
Um grande momento
Perseguida pelas máscaras gregas