- Gênero: Terror
- Direção: Nat Martello-White
- Roteiro: Nat Martello-White
- Elenco: Ashley Madekwe, Bukky Bakray, Jorden Myrie, Justin Salinger, Maria Almeida, Samuel Paul Small
- Duração: 95 minutos
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Em determinado momento, a protagonista de Excluídos diz: “eu só fiz o que todos os homens fazem”. Essa é uma chave de leitura a partir desse novo sucesso da Netflix – sucesso merecido, diga-se, no que concerne dar luz a algo que merece luz. Neve é uma pessoa que não está isenta de humanidade, em nenhum momento; o filme a pinta como uma mulher que errou, erra e continua em processo de aprendizagem. Porém, o que faz dessa personagem esse poço de contradições, enganos e despreparo, é o que pode colocar na conta do filme sua textura. A base para o cancelamento está disposta, mas precisamos investigar o quanto de provocação não está permeando toda essa estrutura. Como o texto abre, porquê Neve é julgada? Porque todos seriam, no lugar dela, ou porque ela é uma mulher preta?
Nat Martello-White é ator, dramaturgo e, com Excluídos, realiza sua estreia em longas sem muitas concessões. Na verdade, os campos de discussão propostos aqui são tantos que o gênero propriamente dito parece sempre à margem, sem fazer disso necessariamente um problema. Digo que não é um impeditivo para apreciar o resto, porque nosso campo analítico tem muito o que apreender com essa história, de campos vastos de exploração. Como tem absoluto lugar de propriedade para o diálogo, o autor não se acabrunha diante do tanto de informação é capaz de colocar na roda, e vai acrescentando novas camadas a um processo laborioso de observação da maternidade e da negritude, e quando parece atingir um ponto agudo, retrocede ao microcosmos original, até o unitário.
Em muitos de seus conceitos, o filme acerta os botões que aperta. Acima de tudo, não podemos esquecer que trata-se de mais um ‘black horror’, que Jordan Peele voltou a tornar relevante. O surgimento de pessoas como Remi Weekes e Nia DaCosta, e de filmes como Master e Bad Hair, são motivadores de uma vertente que está não apenas se sofisticando, como principalmente adensando suas questões. Por isso que o gênero está evidente, e cresce de maneira exponencial a cada cena, mas nunca perde espaço para a reflexão; são questões paralelas que não se anulam, mas vez por outra se embaçam, criando uma comunicação que se pretende polifônica. Dessa mistura de efeitos narrativos, nasce uma obra cheia de costuras para aparar.
Como sua protagonista, Excluídos não nega suas imperfeições e suas ausências. Em um discurso arriscado, o roteiro coloca essa personagem como uma mulher livre, como também já o foi Julianne Moore em As Horas, mas que suas decisões também trazem à tona desdobramentos da manutenção da violência sistêmica. Só que elas não são cometidas por pessoas brancas, e sim por pretos contra outros pretos; é um caleidoscópio de dor que não se entende apenas auto-infligida, mas principalmente no que é passado adiante, como uma herança venenosa e hereditária. Não são palavras minhas, mas um ato de coragem e de ousadia de uma produção que tem o risco como seu maior vetor, e nesse sentido se coloca como livre de cobranças.
Martello-White filma seus personagens sempre de soslaio, como se deles fosse cobrado algo. E efetivamente há essa cobrança social entre todos, não apenas no que diz respeito à narrativa, como na forma como eles estão enquadrados. Estão raramente no centro do plano, essa galhardia é dada apenas a Neve, que não apenas centraliza a produção, como reside nela as respostas que ninguém tem. No lugar onde é colocado o corpo de Ashley Madekwe, estão ainda conversas sobre colorismo, e sobre como cada corpo preto está em condição de privilégio em relação aos outros. O confronto entre Bukky Bakray a Maria Almeida, onde a primeira declara que a segunda teve a preferência e o afeto, tem dor física e familiar impressa, mas também muito uma historicidade de valoração da cor, que cabe mais a uma que a outra.
Por baixo dos escombros que Excluídos insiste em tentar buscar, alguns históricos, a audácia de seu autor acaba por propiciar um novo olhar para seus temas, sem deixar de provocar os gatilhos óbvios do cinema de gênero. É uma violência pouco (ou nada) gráfica, que por si só já é mais efetiva do que uma escapada explícita. Também essa escolha é uma afirmação por trás da natureza da própria violência, capaz de tanta cicatriz mesmo quando não explode em sangue. Talvez a expressão mais primordial da construção da violência seja o abandono, a porta de entrada de tudo que se perde e dos lugares para onde somos levados, quando não temos mais nada pelo qual sonhar.
Um grande momento
Abigail e Mary, no quarto