Crítica | Streaming e VoD

Fantasma e CIA

Além da representação

(We Have a Ghost, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia, Terror
  • Direção: Christopher Landon
  • Roteiro: Christopher Landon
  • Elenco: David Harbour, Anthony Mackie, Jahi Winston, Isabella Russo, Tig Notaro, Erica Ash, Niles Fitch, Tom Bower, Steve Coulter, Jennifer Coolidge
  • Duração: 117 minutos

Christopher Landon deve ser um cara muito gente boa, porque tem feito os filmes de ‘terrir’ mais divertidos, certeiros e cheios de camadas dos últimos oito anos. Desde que lançou o despretensioso Como Sobreviver a um Ataque Zumbi, o rapaz se mostrou à vontade para investigar o que o cinema estadunidense faz há muitos anos, mas sem os “protocolos de segurança” que transformam seus títulos em produtos manufaturados. Landon tem genuíno carinho não apenas pelo que produz, mas por quem dá voz em suas obras, e mais uma prova disso chega com Fantasma e CIA, que a Netflix lança hoje com enormes chances de ser um novo hit. É uma fase espetacular para o autor, que lança um dardo venenoso na direção dos politicamente corretos, sem que eles percebam. 

O filme mostra uma família preta que se assemelha a tudo que já vimos das brancas: pai empreendedor, mãe protetora, filho mais velho egocêntrico e outro adolescente típico – no processo de mudança de hormônios, odeia tudo e todos, mais especificamente o pai. Que essas pessoas estejam substituindo o que já vimos normatizado anteriormente, seria apenas um detalhe interessante e inclusivo sem maiores consequências. O que difere Fantasma e CIA dos congêneres é a própria condição de uma família preta no que concerne às oportunidades – as que se têm, e as que jamais terão. Isso está nas entrelinhas do filme e é verbalizado pela vizinha oriental adolescente que se une a Kevin, ‘eu preciso provar mais’. 

Fantasma e Cia
Netflix

Ainda assim, o quarteto protagonista é colocado diante de uma situação, sem titubear. Ao deparar-se com a tradicional casa assombrada, que bota pra correr todos os outros moradores que antes passaram por ali (possivelmente todos brancos), cada um reage de uma maneira diferente, porém nenhum deles demonstra sentir o básico diante de um fantasma. Como diz Kevin ao seu “novo amigo”, ‘não vai rolar sentir medo, você precisa conhecer o meu dia a dia’. Tem o fator diferenciado daquela relação, que inclui inclusive monetizar o além, mas também tem essa ideia do qual todos sabemos. Nenhum aspecto paranormal pode amedrontar quem já encara overdose de violência, física e mental, todos os dias. 

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Mas é interessante perceber que uma única coisa une pretos e brancos: o capitalismo. Sem medir esforços, o pai da família e o político atrasado no debate querem o mesmo de Ernest – faturar em cima de sua imagem. Ainda que os fins tenham caminhos bem diferentes, os meios partem do mesmo pressuposto, e o golpe do capital em relação a todas as pessoas entra aí. Seja para acumular mais dividendos, seja para prover um futuro que nunca conseguiu antes, a maldição do dinheiro acaba por acertar a todos nós, e Fantasma e CIA deixa claro que nada está livre da sanha monetária. E mesmo depois de tudo solucionado, ainda é esse o destino dos personagens, ceder seus esforços ao que de mais benéfico o capital lhes proporcionar. 

Fantasma e Cia
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Como em todos os seus longas anteriores, da série A Morte Te Dá Parabéns a Freaky, Fantasma e CIA também fala sobre construção de auto estima (e afeto) em uma idade das mais ausentes dessas questões, a adolescência/início da vida adulta. Como dessa vez Langdon está focado nesses personagens periféricos em todos os sentidos, a auto estima é um bem que poucos tiveram acesso, e isso é passado de geração em geração. Em determinado momento, um diálogo entre pai e filho – não um diálogo, O Diálogo – reflete bem como tudo que antes não foi construído reverbera em falta de estímulo e depreciação. Ao mostrar os flashbacks entre Ernest e sua pequena June, o filme deixa claro o que a sociedade tirou dos protagonistas, por motivos que só as coletivas faltas justificam. 

Landon ainda consegue trazer insuspeita profundidade, sem parecer prolixo ou panfletário. O faz à margem do que sua própria narrativa permite, na maior parte das vezes com uma sutileza incomum para filmes lançados por grandes corporações, buscando grande público. Fantasma e CIA consegue mais uma vez mostrar o que seu autor persegue, conjugando seu lado ‘entertainer’ e conservando a assinatura que, hoje, carrega como diferencial. Embora aqui pareça se comunicar mais com um produto “para toda a família”, sem o potencial imagético de ruptura que apresentou nos filmes anterior, sua mensagem sobre auto aceitação continua intacta, e agora talvez atinja até um público mais novo ainda. 

Um grande momento

Autógrafos

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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