- Gênero: Aventura
- Direção: Peyton Reed
- Roteiro: Jeff Loveness
- Elenco: Paul Rudd, Evangeline Lilly, Jonathan Majors, Michelle Pfeiffer, Michael Douglas, Kathryn Newton, Bill Murray, Katy M. O'Brian, Corey Stoll
- Duração: 125 minutos
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Quem me conhece um pouco, pessoalmente ou principalmente como profissional, sabe a minha relação agridoce com o Tempo, e como essa estrutura inanimada – em partes – altera minha estabilidade emocional. Fui procurar no dicionário o significado de tempo, e entre muitas respostas, a de uma publicação pareceu fazer mais sentido: 1. série ininterrupta e eterna de instantes; 2. medida arbitrária da duração das coisas. Em minha condição extrema de “rival do Tempo”, me pareceu curioso perceber que grande parte da motivação vilanesca em Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, viria desse estado de espírito de revolta e melancolia. E que essa construção narrativa fosse tratada com algum desvelo, se não o mais adequado, mas com uma preocupação genuína.
Há uma implicância atual (mais precisamente, de dois anos pra cá) com o que o MCU – Marvel Cinematic Universe – vem fazendo com suas produções, que não consigo ler em exato os motivos. A Marvel já nos entregou Thor e foi elogiada por tal, já nos entregou Os Vingadores: A Era de Ultron e foi elogiada… porque então filmes como Eternos e Pantera Negra: Wakanda Para Sempre foram tão criticados? Em uma análise rápida, chego a uma ideia de que os filmes, no geral, nunca mereceram toda a festa com a qual eram recebidos, e tampouco merecem a saraivada atual. No geral, é um grupo de filmes bem mediano com alguns poucos agudos de qualidade, mas que vende um pacote de segurança para um público que não deseja ser contrariado – e isso pode ser lido como positivo ou negativo.
Quantumania não abre para algo muito diferente disso, no cômputo geral. Esse excesso de segurança com a qual expõe seu escopo, com uma ideia muito pré-concebida do que é valorizado pelo seu público, com certeza é um dos motivos pelo qual as expectativas hoje pareçam maiores do que há 5 anos atrás. A acomodação com que a Marvel incorreu e incorre é um sintoma bem explícito de desgaste, mas isso já é muito claro há pelo menos 10 anos, parecendo agora uma chiadeira descompensada. O que é servido aqui, em particular, é uma dieta com algum tempero sobre algo que já não há muito o que ser mudado – está tudo bem, até que o mundo parece em perigo mais uma vez, e um novo vilão promete nova dominação global, descambando para os esperados festivais ininterruptos de efeitos visuais e clímaxes em continuidade igualmente ininterrupta.
O universo que o diretor Peyton Reed amealhou para o micro-universo de Scott Lang na franquia Homem-Formiga já se compreende, a essa altura. A princípio, o filme parecia uma versão anabolizada e heróica do clássico infanto-juvenil Querida, Encolhi as Crianças, e estava tudo bem se fosse apenas isso. A Marvel, por muitas vezes, teve intenções filosóficas inseridas na narrativa, que eram até desenvolvidas com alguma acuidade. Reed, responsável por títulos como Separados pelo Casamento e Abaixo o Amor, refresca a fórmula repetida à exaustão e exposta acima, com uma leveza (vejam, não estou falando humor, mas leveza mesmo, suavidade) que coube e faltava ao estúdio. Com essa intenção já clara, agora o diretor desenvolve enfim sua tentativa de aprofundar os temas apresentados, seja na abertura aparentemente desprovida de crítica, onde Lang demonstra um descontentamento intrínseco a tudo que viveu, ou no surgimento de Kang, que provavelmente será o próximo grande vilão do MCU.
Visualmente, Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania deve ser 80% todo de CGI, que geralmente costuma afastar interesse pela quantidade exorbitante de espaço que a algo que não está em cena. Dessa vez, isso não chega a incomodar porque o filme tem espaços dedicados a cor em toda sua exuberância, mostrando as infinitas possibilidades de ambientação que todo o Reino Quântico poderia oferecer. O problema aqui com esse esquema é mais narrativo; assim como em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, o que vemos aqui é um sem número de ambições que nunca se concretizam pelo tamanho infinito de compartimentos que o próprio conceito de multiverso estabelece. O espectador sempre sairá perdendo quando pensamos que é um grupo infindável de elementos que ficam exclusivamente na promessa. Nesse sentido, um filme como Homem-Aranha no Aranhaverso ganha de lavada, porque tem a consciência de sua infinitude de caminhos, mas centra muito bem o que pretende mostrar, e disseca isso especificamente.
Há uma clara procura, dentro dessa leveza pretendida e já descrita, de brincar com o conceito de ‘space opera’, que Star Wars mostrou possível em 1977, e que Mel Brooks 10 anos depois satirizou, em S.O.S. – Tem um Louco Solto no Espaço, e Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania parece mirar em ambos. A estratégia funciona para quem se abrir ao esforço de resgatar conceitos não tão disseminados mais, e se deixar levar por um tanto de galhofa presente. A aparição de Bill Murray, e a explicação dele quanto aos “prédios vivos” é a deixa para que percebamos que tudo está em consonância e as motivações dúbias estão dentro do escopo perseguido por Reed. Quando essas ideias encontram a conotação certa junto a seu visual, o resultado é um filme como esse, com rasgos de qualidade e outros tantos de risco, menos seguro do que podemos julgar, a princípio.
Toda a ideia centrada na relação do Homem com o Tempo é dissecada em Quantumania por Kang, o Conquistador. Mais um vilão trágico, Jonathan Majors (de Vingança & Castigo) encarna esse ser desolado com o que não consegue mais controlar, com isso disposto a destruir o que é submetido à força do Tempo. Seus diálogos com Michelle Pfeiffer são a força vital da produção, que consegue se fazer premente por essa construção dúbia entre a perda de relevância vital que Lang enxerga em sua existência e a disposição de seu nêmesis em esgotar para sempre a questão que o aflige. Se o conceito de tempo é relativo e subjetivo (como, no universo Marvel, é escancarado), melhor seria se abandonásemos uma cobrança pessoal por algo que se esvai independente da nossa vontade e aproveitar a qualidade, e não a quantidade; esse é o legado. Dessa forma, seis semanas, seis meses, seis anos ou sessenta serão apenas um dado dentro de algo muito mais profundo, e a manutenção desse mesmo tempo cada vez mais saudável e longeva.
PS: não saia da sessão até o fim da totalidade dos créditos; a cena extra, dessa vez, é bem importante para o futuro do universo.
Um grande momento
Kang e Janet estreitam laços no passado