- Gênero: Drama
- Direção: Flora Dias, Juruna Mallon
- Roteiro: Flora Dias, Juruna Mallon
- Elenco: Larissa Siqueira, Patrícia Saravy, Rômulo Braga, Laysa Costa, Thiago Calixto, Antônia Franco, Jorge Neto, Helena Albergaria
- Duração: 101 minutos
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Quem me conhece sabe que há 10 anos eu, sempre que posso, dou um jeito de enfiar O Sol nos Meus Olhos em qualquer conversa; a admiração por esse título não cabe em mim. Logo, quando eu soube da possibilidade de um novo filme da dupla Flora Dias e Juruna Mallon, a expectativa foi difícil de administrar. Competindo no Olhar de Cinema 2023, O Estranho é o tal novo longa dos mesmos diretores, que me pegou definitivamente de surpresa, por ainda não saber a que título exatamente eu assisti. Tendo em vista que algumas linhas narrativas foram escolhidas para contar essa história, e algumas delas o filme apenas finge se interessar por, sinto que precisarei de mais alguns dias para decifrar os caminhos de investigação em meio a tantos.
Alê é a protagonista, e quando o filme se encerra, percebemos que somente ela mesmo era vista como tal. Porque então fomos posicionados a acompanhar igualmente as vidas de sua namorada, da filha de sua namorada, do namorado da filha da sua namorada, do seu chefe, é uma boa pergunta a ser feita. O Estranho, em determinado momento, é claramente um filme-coral: conta com inúmeras vozes a apresentar seus conflitos, e todos eles existem e são interessantes, além de conterem independência narrativa. Em comum, essa íntima ligação com Alê, ainda que indiretamente, personagem que desenvolve um enredo paralelo à sua vida, que acaba se revelando maior que a mesma. Afinal, o desenvolvimento de uma ancestralidade não passa por apenas um povo, mas será apenas de uma das vértices do tema que haverá uma preponderância.
Existe a linha concreta (o romance entre as duas supostas protagonistas e sua eventual e preparada separação, por inúmeros motivos) e a linha fabular (a descoberta cada vez maior de uma influência indígena na formação de Alê, e seu envolvimento emocional com essa linhagem). Elas poderiam andar unidas ou separadas, debatendo suas questões em conjunto às da rotina de suas protagonistas mostrando o quanto sua separação pode apartar relações. Ao invés disso, O Estranho opta por fingir que uma não existe quando trata da outra, e vice-versa, quase como se fossem dois filmes diferentes, ou pelo menos que não parecem sequer interessados em dialogar. O resultado disso é a falta de empatia com as flechas que o filme lança ao ar.
Não bastasse tais escolhas, O Estranho ainda veste em duas personagens mais centrais duas das maiores bases étnicas da criação do país, a indígena e a negra. Enquanto a uma é dedicado todo um aparato filosófico disponibilizado para debate ao longo de toda a projeção, a outra serve como cabide a dois blocos de cenas, igualmente lindas, mas que ajuda a deixar claro o quanto existe pouco interesse nesse aprofundamento. Seja da parte da religião de sua personagem, seja no lugar de fala da mesma, quase inexistente, Silvia apresenta sua parte da questão, mas nunca sua voz. É um apêndice de discurso que nunca existe para uma completa representação do que está disposto a denominar, e logo em uma produção que trata de desabrochar da ancestralidade.
Poderíamos jurar que muito mais coisa foi filmada e retirada do corte final, tendo em vista que seus personagens têm muita propriedade, mas pouco aprofundamento – alguns, nenhum. Quando O Estranho tenta demonstrar então que seu viés é também acoplar falas de personagens verídicos em tela, aí mesmo que percebemos que o filme de Pedro Diógenes, Pajeú, entregou muito mais suculência ao que aqui se encaminha para ser decifrado aqui. Tanto uma defesa da ancestralidade quanto um grito contra o que estamos deixando escorrer pelos dedos, o filme de Dias e Mallon apresenta muito mais camadas do que é capaz de acomodar. No campo positivo, os sempre acima da média Patrícia Saravy (de A Felicidade das Coisas) e Rômulo Braga (de Sol) tentam encontrar saídas em meio à turbulência.
No fim da equação, nem a história de amor por entre crises e afastamentos consegue demonstrar força ou interesse, nem a descoberta de uma força ancestral indígena consegue transformar o quadro geral de O Estranho. O motivo é a vontade de abraçar muitos mundos de maneira ampla, mas que vão sendo desperdiçados muitos momentos onde apenas gostaríamos de ver uma narrativa tendo começo, meio e fim, em códigos internos e externos. Infelizmente, cada escolha se mostra ser mais artificial do que a outra, sem conseguir ser bem sucedido nem enquanto fábula, nem enquanto discurso, nem enquanto tentativa de naturalismo.
Um grande momento
Alê e Silvia na cama