- Gênero: Comédia romântica
- Direção: André Novais Oliveira
- Roteiro: André Novais Oliveira
- Elenco: Grace Passô, Renato Novaes, Kelly Crifer, Norberto Oliveira
- Duração: 70 minutos
-
Veja online:
Da arte de saber exatamente o que filmar, que enfoque dar ao plano, e como conseguir sempre demonstrar renovação, ainda que esteja falando sobre o que tantas vezes já foi falado. Esse poderia ser um resumo honesto do que a Filmes de Plástico constantemente nos serve, sem conseguir nos fazer acostumar com a excelência constante, mas o quarteto mineiro não merece algo vazio assim, predicados soltos sem análise. O Dia que Te Conheci, o novo longa de André Novais Oliveira, estabelece então um novo parâmetro ao que a produtora já fazia anteriormente, e ao seu realizador uma ideia de sofisticação que não é uma inovação, mas exatamente um avanço. O caminho parece dúbio, demonstrando a um só tempo a serenidade que o talento moldou e a certeza de que uma evolução narrativa e estética é ainda mais evidente.
O que já estava em curso em Temporada aqui se amplifica, uma ideia de precarização que passa pelo trabalho e chega até a vida em si. Embora exista um olhar para o mundano, o que é visto em O Dia que te Conheci não aparece com frequência em nossa filmografia. Se percorre o cotidiano para que ele seja o início e o fim, e não meio; a preocupação com suas texturas passam por elas para chegar em algum outro lugar, mais direto, e não como apontamento específico. O que Oliveira propõe, desde Ela Volta na Quinta – que já estava em seus curtas, como Fantasmas – é uma apreciação do prosaico enquanto atmosfera, mas que é ressignificada pela inserção de elementos que desnudem essa noção de algo comum, para que o que não está sendo dito ainda assim fale.
A identificação com uma classe proletária não será decodificada por uma crítica que possa reconhecer seu lugar de privilégios. Quando o cinema, em todos os seus segmentos, passa a ser ocupado por quem está fora das zonas de circulação, as narrativas mudam do local do que sempre representou a normatividade. A base da pirâmide, hoje melhor representada, tem seu tratamento visto na Filmes de Plástico como algo sem glórias, mas com extremo cuidado e dedicação, justamente por ser feito por quem já esteve naquele lugar. A verdade de cada cena acaba por se eternizar justamente porque seu tratamento é muito real, sem limpeza. É o ônibus enguiçado, a corrida para não perdê-lo, a demissão por conta do que a distância acarreta, e a forma inspirada com quem um diálogo sobre a dificuldade em acordar acaba por contornar. O Dia que Te Conheci olha para cada um de seus elementos com conhecimento de causa, emoldurando um lastro que precisa perder para ser ainda mais compreendida.
Assim como tais discrepâncias sociais provocam a renovação de um comboio de vozes, o “casal de Temporada” retorna à cena para complementar uma relação simbólica que parece não ter fim. Grace Passô e Renato Novaes já tinham demonstrado química no outro longa, mas aqui especificamente o caldo entre eles engrossa, na longa noite que passarão juntos. É como se Ken Loach se encontrasse com Richard Linklater, ou melhor, é André Novais Oliveira dizendo que não precisa ter referências quando se é ele mesmo um construtor. Renato cada vez mais maduro como ator, e Grace em um registro que o cinema pouco pediu para que ela explorasse, ambos se conectam de maneira irresistível. A lembrança de Pouco Mais de um Mês, um de seus curtas metragens mais reconhecidos, reafirma o compromisso de seu diretor com o afeto.
É um longo caminho que esses dois personagens percorrerão em O Dia que Te Conheci , para chegar a conclusão de que as coisas batem mesmo à nossa porta. A jornada é ainda mais desastrada de Zeca que a de Luisa, porque seu desfecho demonstra que o protagonista estava disposto a um encerramento de ciclo. Foi preciso percorrer tudo que ele já fez para que o resultado de uma espécie de “efeito borboleta” da singeleza, onde cada passo é uma justificativa para que todas as ações correspondam a sua ética emocional. É como se a falta de educação social fizesse tão pouco sentido porque obedece justamente uma lógica de recompensa; se o rolo compressor da máquina estatal não o transformasse em estatística, ele não descobriria alguém como Luisa. Se essa ironia não é extremamente agridoce, eu não sei mais o que é.
[47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]
Um grande momento
A carona