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Mamonas Assassinas: O Filme

Ô xente, ai ai ai...?!?

(Mamonas Assassinas: O Filme , BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Musical, Comédia
  • Direção: Edson Spinello
  • Roteiro: Carlos Lombardi
  • Elenco: Ruy Brissac, Rhener Freitas, Adriano Tunes, Beto Hinoto, Robson Lima, Fefe Schneider, Jessica Córes, Isa Prezoto, Jarbas Homem de Melo, Ton Prado
  • Duração: 105 minutos

Antes da subjetividade, vamos aos fatos: 4 das 10 maiores bilheterias do cinema brasileiro em 2023 foram para biografias/temas biográficos. Mussum, o Filmis, Meu Nome é Gal, O Sequestro do Voo 375 e o maior de todos, Nosso Sonho, o grande campeão, dividiram entre si a responsabilidade que em outros anos coube à comédia popular, a de serem capazes de galvanizar o interesse de um público ainda mais exigente, ano a ano. Ainda que somente agora a cota de tela volte a ser cumprida (agora = 2024) e isso também seja responsável pela quantidade de fracassos que vimos na última temporada, não há como negar que o terreno conhecido acerca da investigação sobre pessoas e universos já conhecidos trouxe conforto e interesse ao público de cinema. Abertura feita, podemos então debater Mamonas Assassinas: O Filme, obra que tenta fazer o mesmo que Claudinho e Buchecha fizeram nos últimos quatro meses. 

É preciso então deixar claro que existe um abismo entre o que Eduardo Albergaria criou – um material cinematográfico que impressiona ainda mais se colocado aqui ao lado – e o que Edson Spinello tenta fazer. Antes de maiores delongas, Spinello é um diretor de novelas que está estreando no cinema aqui, com ao menos um clássico do gênero no currículo, Por Amor (a fatídica trama da troca dos bebês, protagonizada por Regina e Gabriela Duarte). Além disso, Mamonas Assassinas: O Filme é escrito por Carlos Lombardi, autor também de novelas, entre elas Quatro por Quatro, mas que já tinha passeado pelo cinema antes, como em Zoando na TV. Com essas credenciais, não tinha como a trajetória meteórica dos cinco amigos de Guarulhos que, em menos de um ano, tinham se tornado na mais popular banda de… rock (!?!) do país, que em um projeto televisivo. Que já exista a intenção de expandir o filme para uma minissérie para televisão, é a prova de sua textura. 

Ao contrário do que a Rede Globo / Globo Filmes fez durante muitos anos em produções como Tim Maia, Xingu, Serra Pelada e tantos outros, que era a de inserir cinema em sua dramaturgia, para depois resgatar esses títulos em capítulos diários, o que Mamonas Assassinas: O Filme faz é o caminho oposto. Nada do que vemos tem apuro de cinema, as áreas criativas imagéticas parecem que não foram acessadas, o trabalho de montagem e de fotografia não sugerem que qualquer decupagem tenha sido feita, ao menos não uma que possa ser levada a sério. O resultado é um trabalho feito para os fãs da banda quase que exclusivamente, sem levar em consideração que essas mesmas pessoas mereciam assistir a uma homenagem feita com capricho por quem se dedicou a ela. 

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Tendo sido eu também um fã do único material fonográfico lançado por Dinho, Bento, Júlio e os irmãos Sérgio e Samuel, é inexplicável que, mesmo em uma seara pouco afeita a algo próximo a experimentação como a biografia, tenhamos acesso a um material tão avesso ao cuidado. Depois do desastre que foi Angela esse ano, recebemos um outro título que parece ter sido concebido da maneira mais apressada possível, com a intenção de ser arremessado nas salas, e com a certeza de que o sucesso viria fácil, independente de qualquer análise. Isso, ou contar exclusivamente com a emoção responsável pela tragédia que envolveu o desaparecimento da banda no auge de um sucesso que nunca teremos como mensurar o tamanho da duração. Mas qual seria o problema de demonstrar algum esmero na criação dos planos, na captura das imagens, se isso é o básico para um filme (e uma indústria) que queira ser valorizado pelo público?

Há poucas dúvidas acerca de que Mamonas Assassinas: O Filme será um sucesso, isso são praticamente favas contadas. Esse deveria ser mais um motivo para um certo capricho que não é justificado pela ideia de que, com a irreverência e o despojamento da banda, cabe que um filme-homenagem seja entregue assim. Além disso, o roteiro não consegue sustentar nem as ideias ruins que têm, como a narração espectral que Dinho empreende na produção, que a princípio poderia soar de mau gosto, e termina sendo apenas mais um ponto inacreditável em cena. Personagens entram e saem, tem intenções e deixam de ter, as famílias dos rapazes tem aparições desequilibradas, nada faz muito sentido, assim como a tentativa de criar entreveros românticos aos protagonistas, ao invés de só deixá-los tocar e cantar. 

Digo isso porque, a despeito de tanta coisa contra, Mamonas Assassinas: O Filme é a história de uma banda que não deixava o humor apagar o quão bons eles eram em seu ofício. E, em cena, os atores não só conseguem reproduzir sua qualidade, como realizam as músicas em cena com a marca registrada do que eram os originais. Se existe um cuidado em cena, é em reproduzir a energia e a estrutura técnica dos Mamonas, e esse selo de qualidade o filme apresenta – performances de palco vigorosas, e um trabalho sonoro que se eleva ao imagético. Além disso, Ruy Brissac não apenas é bastante parecido com o icônico Dinho, como parece possuído por sua energia caótica, no palco e fora dele; é dele a força dramática do filme. Com o quadro inteiro apresentado, é muito pouco para quem esperava uma homenagem à altura há tantos anos (o projeto é anunciado há quase uma década), para quem cresceu sendo convidado para uma tal de suruba, aprendeu a amar a brasília amarela, e para quem se libertou (como eu) abrindo a mente de muita gente para os gays, ‘também somos gente’. Cantamos, até nos emocionamos, sentimos saudades dos meninos, para sair tendo a certeza de que eles mereciam muito mais. 

Um grande momento

A apresentação ao vivo de ‘Vira-vira’

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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