- Gênero: Fantasia
- Direção: Francis Ford Coppola
- Roteiro: Francis Ford Coppola
- Elenco: Adam Driver, Giancarlo Esposito, Nathalie Emmanuel, Aubrey Plaza, Shia LaBeouf, Jon Voight, Laurence Fishburne, Talia Shire, Jason Schwartzman, Kathryn Hunter, Grace VanderWaal, Chloe Fineman, James Remar, D.B. Sweeney, Isabelle Kusman, Bailey Coppola, Madeleine Gardella, Balthazar Getty, Romy Mars, Haley Sims, Dustin Hoffman
- Duração: 138 minutos
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Finalmente Francis Ford Coppola consegue lançar Megalópolis, desejo antigo, que alimenta desde o final dos anos 1970. O tema volta às origens do cinema, à conhecida fantasia distópica da República de Weimar. Mais além, busca a origem da civilização ocidental, literalmente transportando sua espécie de Nova York para o Império Romano. Há pouco tempo espalhou-se pela internet uma pesquisa sobre a obsessão com esse período histórico e sua influência no imaginário popular. Pois então… Filme de permanência e repetição, Megalópolis mistura o passado e o presente para dizer aquilo que já sabemos: a história, com suas mesmas figuras, tende a se repetir em todos os lugares, mantendo padrões e situações, abismos e mazelas. Assumindo-se como fábula, toma a liberdade para imaginar um novo futuro utópico, grandioso, fantástico e maravilhoso.
Embora seja majestoso na forma, Megalópolis é ingênuo na intenção. Pode-se dizer até que problemático por não se atentar realmente para a “inclusão” do grande projeto que retrata. Este é desenvolvido por Cesar Catilina, um delirante cientista gênio capaz de desafiar as leis da física. Arquiteto do novo e do velho mundo, Catilina sabe como parar o tempo e, idealista, escolhe a mudança. Porém, pessoalmente, vive em amargura, num ressentimento e culpa eternos. Em outro polo está Frank Cícero, o odiado perfeito da cidade vivido por Giancarlo Esposito, que não se importa com o que ouve desde que mantenha a – e se mantenha na – situação. Ponto comum entre os dois, Julia Cícero se aproxima de César e se apaixona por seus projetos, ao mesmo tempo em que vai canalizando sua rebeldia para um posicionamento político-ideológico divergente do de seu pai Cícero. A atriz Nathalie Emmanuel não faz feio na construção dessa figura magnética.
Circulam ainda pela elite, como figuras proeminentes: Hamilton Crassus III (Jon Voight), o dono do dinheiro; Wow Platinum (Aubrey Plaza), a jornalista; e Clodio Pulcher (Shia LaBeouf), o playboy, entre outros. A narração do filme, que mais do que contar a história, localiza eventos e faz equivalências, fica a cargo de Fundi Romaine, motorista de César, vivido por Laurence Fishburne. Na mais pura lógica capitalista, as figuras são engolidas pela enormidade do universo em torno delas, independentemente de sua relevância. Assim para os que têm nome, muito pior para aqueles que tomam as ruas em protesto, deixados de lado pelo sistema e também — ops — pelo roteiro do filme. Eles até estão ali para compor algumas cenas, para indicar alguma coisa e fazer figuração, mas não há exatamente uma participação. Nem mesmo quando o nome do filme se concretiza.
Porém, fazem bem o papel de composição do caos social para imprimir a sociedade que Coppola imaginou em tela. E para que ele faça a sua própria replicação da História na ficção, mudando nela o que bem entender para deixar tudo com a sua cara. A origem do sistema político está em Roma? OK. Vamos até lá criar uma história que faça com que a interação entre essas figuras seja diferente. A disputa principal é uma das mais conhecidas do império. O diretor, não faz de César apenas Cesar. Além de todo o carisma, inteligência e habilidade retórica, ele é também Catilina, conhecido conspirador contra a república.
Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?
Mais do que César Catilina, para desgraça de Cícero, é ao lado de sua filha que a figura se complementa, numa nova constituição da trindade coppoliana, vamos dizer assim. Julia Cesar Catalina, é o ser duplo que, formulado nas origens, romperá a estrutura vigente até os dias de hoje. Tornando nulos o capital e seus males. Em sua fábula, Coppola expõe Crassus, aquele que foi o homem mais rico do mundo, e vai buscar Claudio, o enjeitado, transformando-o em traidor. Mais do que isso, sua figura é atualizada, ganha ares dos novos políticos com manipulação de dados, disseminação de notícias falsas e discursos coaching para engajamento do público.
Personagens aleatórios, com suas doses de outras realidades, se juntam a esse resgate histórico, como Wow, que parece construída com pequenos pedaços de seres de outros filmes, cada uma com sua característica. Fatale, encontra complexidade ao dividir-se entre suas fixações e seus objetivos, muito claros. A questão em Megalópolis, e isso está aqui nela e em outros, é que em meio a tanta coisa, nem tudo consegue ter a atenção devida, perde-se no tempo e no espaço. Algumas coisas podem voltar, e surpreender, outras ficam pelo espetáculo, pela plasticidade ou pelo choque. Porém, isso é algo que se compensa pela experiência, pela magnificência do que se vivencia. O risco assumido conquista.
E a elaboração do futuro de Coppola é arriscada porque não existe intenção de ser contido. Tudo é muito, tudo é grande. O texto elaborado, com suas reconfigurações e atualizações, chega com citações gravadas em placas de mármore em estilo romano ou entrecortando diálogos, declamações em festas frenéticas, ou no fluxo compassado do narrador. A composição visual, com sua mistura de formas e padrões conhecidos do passado a elementos futurísticos destacados por brilho e cores marcantes. Todo o apuro do diretor, detalhista, milimétrico na construção da experiência estética. Som e visual em perfeita sincronia. A Nova Roma se identifica com aquilo que se enxerga nas ruas da cidade estadunidense e aquilo que se representa do grande império. São décadas que se misturam num jogo de combinação complexo, uma viagem entre tempos que une elementos de séculos e décadas muito distintos e distantes, criando uma mistura de gêneros cinematográficos difícil de realizar, mas surpreendentemente não só funcional, eficiente.
Em Megalópolis, o diretor quer mostrar o excesso e para isso usa o excesso. Não há aqui que se falar em referências ou caçá-las como forma de demonstração de conhecimento, é cinema em seu estado mais puro e elas estão por todo lado, mas o diretor as toma para si criando algo novo, assim como faz com a enormidade do Império Romano. É uma criação de Coppola. Ponto. Dizer isso já diz tudo.
Talvez fim
Um grande momento
Parando o tempo de novo