Crítica | Festival

Love, Brooklyn

Movimento constante

(Love, Brooklyn, EUA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Rachael Holder
  • Roteiro: Paul Zimmerman
  • Elenco: André Holland, Nicole Beharie, DeWanda Wise, Roy Wood Jr., Brigitte Lundy Paine, Cassandra Freeman
  • Duração: 95 minutos

O longa Love, Brooklyn explora, sem cerimônia e sem artifícios melodramáticos, o cotidiano marcado por escolhas e desencontros. Com roteiro de Paul Zimmerman, a diretora de Rachael Holder constrói seu filme como quem prepara um drama compacto, mas carregado de silêncios e pausas que dizem muito. São três vidas entrelaçadas pela rotina, pelo desejo e pelas mudanças. Roger (André Holland), ex-editor e escritor lidando com o efeito da gentrificação; sua ex, ou quase, Casey (Nicole Beharie), curadora de arte com quem ainda tem laços afetivos e ensaia uma reconciliação; e sua ficante Nicole (DeWanda Wise), viúva e mãe solo, que não quer compromisso por ainda sentir a dor do coração partido.

O filme respira Brooklyn. Não aquele cartão postal, mas um espaço em transição, bem captado nas lentes de Martim Vian, com ruas vazias, cafés silenciosos e ciclovias. São cenários que dizem muito sobre solidão e desapego. A sensação é de que a cidade se rearranja a cada passo dos personagens, refletindo o dilema interno deles em relação ao passado e às urgências do presente.

A trama de Holder não busca heróis ou vilões. Roger é carismático, mas procrastinador; Casey forte, porém vulnerável; Nicole cautelosa, mas afetuosa. Esse trio, com a presença doce da filha de Nicole, Ally (Cadence Reese), constrói uma rede de afetos imperfeita, onde encontros e desencontros revelam muito sobre identidade, legado e a urgência de seguir vivendo sem mapas e direções exatas.

O roteiro de Zimmerman flerta com temas maiores, como a gentrificação e a pós-pandemia, mas o caminho traçado por Holder é outro. A diretora quer sentir o impacto dessas forças através de pequenos gestos, das pausas na conversa, dos olhares trocados, dos silêncios pesados. Isso dá ao filme uma leveza ensimesmada, mostrando as rachaduras que se abrem nessas vidas em transição.

Há uma delicadeza discreta nas atuações. Holland expressa o desconforto de quem se reconhece deslocado no próprio bairro; Beharie, contida, revela uma força que treme por dentro; Wise representa esse afeto cauteloso e carregado de história. O trio carrega o filme com um ritmo íntimo, onde menos é mais. Um respiro em cena é suficiente para dizer o que palavras não dizem.

Os maiores deslizes estão na tentativa, por vezes rasa, de tocar em temas amplos. A narrativa pisa com cuidado, sem mergulhar de verdade nas tensões da cidade em mudança. A crítica surge como sombra, sem estrutura emocional sólida para sustentar seu peso, acatando o propósito do filme. Love, Brooklyn não quer ensinar, quer dividir uma sensação: a de caminhar entre memórias e incertezas, em um lugar que é coletivo e, ao mesmo tempo, tão marcado pela experiência individual.

Assim, o filme deixa no ar uma sensação de que viver é estar em trânsito, entre relacionamentos, entre lugares, entre aquilo que fomos e aquilo que nos tornamos. É um exercício de resistência suave, onde a coragem está em continuar. Mesmo quando o cenário muda rápido demais.

Um grande momento
O encontro no parque.

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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