- Gênero: Documentário
- Direção: David Osit
- Roteiro: Chris Hansen, Dani Jayden
- Duração: 96 minutos
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Um apresentador canastrão com ares de Horatio Caine e comportamento justiceiro absolutista de quem investiga, prende, julga e condena. Esse é Chris Hansen, o homem à frente de To Catch a Predator, programa da NBC que ficou no ar de 2004 a 2007. Os primeiros minutos do documentário Predators, nos colocam diante dele e do universo de justiçamento criado por e para ele. A tela dividida em três acompanha todos os movimentos da ação: um pedófilo chega a um encontro com uma isca até que o apresentador se revela e o confronta com detalhes da conversa grampeada. O caráter duvidoso do entretenimento era deixado de lado para que se assumisse uma aura de serviço essencial à comunidade, uma vez que potenciais agressores sexuais eram capturados.
O fato de Hansen ser jornalista e não ter qualquer preparo para lidar com a questão, ou mesmo autoridade, deixava de ser relevante diante do serviço prestado. A conduta do Estado, que emprestava sua força policial para encerrar o quadro após o irônico “you are free to go”, também não era questionado. Era, literalmente, a justiça feita pelas próprias mãos diante das câmeras, sem qualquer cuidado, sem respeitar o direito ao contraditório e, pior, sem levar em conta os métodos utilizados para que as ações chegassem a tal ponto. Predators aborda vários pontos, desde a satisfação da audiência até a criação de heróis, passando pela conivência estatal, entre muitos outros.
O mais instigante no documentário é como ele começa levando o público ao lugar daquela audiência. Não é fácil acompanhar as primeiras cenas, tudo que é dito. É asqueroso. Existe uma compreensão do sentimento geral quando a história muda de rumo. É natural, humano, mas é algo que se desmonta perante à humilhação e ao espetáculo. Na insistência, a conscientização do circo assume o lugar da indignação e a imagem do justiceiro se aclara. Como bem disse o psicólogo entrevistado, enquanto vemos a pessoa que foi desmascarada com o olhar de quem está vendo sua vida acabar naquele momento, o apresentador faz o seu grande show, com frases bem pensadas e impactantes. Não se considera aqui, por exemplo, o estímulo à pedofilia e às ações que, talvez, nunca aconteceriam. Vale destacar que há pedófilos que jamais praticam abuso sexual, embora tenham o transtorno psiquiátrico.
Longe de defender condutas ou indivíduos, para um programa que trata exclusivamente da captura de predadores sexuais, é no mínimo estranho que não se considerem tais questões. E são muitas as questões psicológicas e psiquiátricas relativas à pedofilia, algumas delas, inclusive, reconhecidas pelo próprio Hansen, mas ignoradas em nome do “entretenimento”. O aprofundamento chega no filme em conversas com especialistas que analisam tanto a postura do apresentador quanto as dos pretensos abusadores. Traz também cenas que demonstram abordagens distintas no tratamento por aqueles que deveriam realmente lidar com essas pessoas.
Entre os muitos limites ultrapassados pelo apresentador, Predators traz o escândalo que acabou com a atração televisiva, apesar de ter sido vendido de maneira ainda mais espetaculosa, e um triste episódio, envolvendo um jovem de apenas 18 anos já no programa desenvolvido para as redes sociais. O diretor David Osit traz essas contradições, expondo os resultados das ações e de muitas outras naqueles que estiveram expostos de alguma maneira ao show, como participantes ou espectadores.
Outro ponto positivo no longa, aliás, é o modo como o diretor David Osit se coloca em cena de forma explícita e não esconde sua relação com o programa, fundamental para o questionamento principal de Predators. Ele não busca apenas entender a dinâmica por trás do jogo de poder que se estabelece, mas a motivação da espetacularização, suas causas e consequências. E há um quê de pessoal que dá ao filme uma camada adicional, permitindo participações em momentos inusitados, algumas vezes indiretas e em outras muito diretas.
Dividido em partes que o definem temporalmente, Predators traz depoimentos dos atores que atuaram como iscas, em sua maioria jovens com 18 anos; psicólogos, estudiosos, policiais e jornalistas para falar sobre o sentimento de cada um deles diante dos eventos do passado e nos dias de hoje. Aliás, sobre a atualidade, o documentário não deixa de fora séries derivadas, incluindo versões baratas de YouTube. Ali também está o próprio Hansen numa participação desprovida de consciência e culpa, também pelos episódios mais graves. Após a confirmação da imagem de herói que nunca deixou de existir, ele mantém seu discurso, mas não sustenta suas palavras pelo inesperado que só um documentário poderia providenciar. E Osit chega onde queria, repetindo para o justiceiro aquilo que já foi dito tantas vezes por ele.
Um grande momento
“Você está livre para ir”