Subiram no pódio da Mostra de Cinema de Tiradentes versão 2025 tanto Minas Gerais quanto Sergipe, em seus longas de principais traços de vitória. Mas também sobrou festa para a Bahia, para o Espírito Santo, para Alagoas, São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro. Esses foram os estados que tiveram seus filmes vencedores da noite do último sábado, emocionante por muitos motivos, mas principalmente por mais uma vez trazer para a cena novos e imprescindíveis nomes a respeito do novo cinema brasileiro. Se a provocação-tema ‘que cinema é esse?’ foi respondida ou não, isso somente o tempo irá dizer.
O fato momentâneo é que duas duplas brilharam. Tiago Mata Machado e Gabriela Luíza, os diretores da distopia alegórico-teatral Deuses da Peste, e Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro, autores do auto-documentário Um Minuto é uma Eternidade para quem Está Sofrendo, respectivamente os campeões da Olhos Livres e da Aurora, em suas versões ressignificadas. O júri oficial embarcou na jornada do primeiro, uma estilização de um palco que vai cada vez mais fundo no comentário político do nosso tempo, com interpretações vibrantes de todo o elenco. Já o júri jovem se deixou levar pelo maior personagem desta edição do evento, Wesley, e sua fulgurante presença na tela e fora dela, compondo um quadro cheio de luz, cor, vibração e desespero para um retrato a respeito da montanha-russa que corre em cada um de nós.
Entre os curtas, Entre Corpos foi o único título a conseguir subir duas vezes ao palco de premiação, sendo eleito o melhor para o júri oficial e também ganhar o prêmio Helena Ignez, dado a sua protagonista Ticiane Simões. O filme dirigido por Mayra Costa é uma ficção que aposta nos desvios secretos de sua protagonista, uma costureira com hábitos pouco comuns dentro de seu universo de trabalho. A atuação minimalista de Simões foi celebrada, com justiça.
Essa foi uma edição de Tiradentes renovada, pela mudança de padrões de importância e premiação entre as suas duas principais mostras, e por uma espécie de motivação mais significativa de um embate entre os cinemas que se comunicam com o público, e a tradição do evento para a invenção de linguagem. Filmes como Prédio Vazio, novo espaço para Rodrigo Aragão celebrar sua arte dentro do horror, dividiram espaço com novas vozes para o gênero, como a de Pedro Tavares, dentro de seu O Mundo dos Mortos, uma reflexão que foi muito além da sinopse e das expectativas do público presente.
Mas Tiradentes não foi espaço apenas para o cinema, seja ele o experimental ou o acessível. Em meio ao que nos emocionamos com os autores e suas obras, também teve espaço para um provocação como Tiradentes não via pelo menos desde antes da pandemia. Convidado para a competição da Olhos Livres, A Primavera é dirigido por Sérgio Bivar e Daniel Aragão, e a figura do segundo se mostrou o ponto nevrálgico de uma edição onde os olhares já estavam estabelecidos na sua direção desde o anúncio da seleção.
Figura que pautou a última década por uma espiral de polêmicas políticas, que foi desde a direção de fotografia do longa Jardim das Aflições, de Josias Teófilo, a respeito do inominável Olavo de Carvalho, até a posterior dissolução de seus laços com a cena cinematográfica de Recife, incluindo os laços de trabalho e amizade que tinha com Kleber Mendonça Filho. Indo além, Aragão de auto-exila nos Estados Unidos e se torna um porta-voz de uma extrema-direita raivosa, se posicionando nas redes sociais de forma veemente contra a cena artística do qual deveria ter defendido, atacados em pelo menos dois governos recentes.
Aragão provavelmente sabia do que significaria sua passagem pelo evento, mas fez questão de tornar o ambiente ainda mais carregado durante um debate que não será tão rapidamente esquecido. Seu filme, um projeto de intenções poéticas cheio de problemas de encenação e intencionalidade, obviamente foi eclipsado por sua voz, que era a representação do que foi apresentado em tela. Demonstrando ainda impaciência, enfado e uma falta de profissionalismo claras, o diretor não apenas deixou de responder a todas as perguntas que lhes foram feitas, como contribuiu para o mal estar geral fazendo caretas aos presentes, interrompendo falas de mulheres (o tradicional mansplaining do típico machista) e discorrendo de maneira vaga toda vez que pegava o microfone. Colocou seu elenco para servir de escudo para si – elenco esse, de presença negra – quando se enrolava (ou seja, muitas vezes), e demonstrou-se um profissional bem longe dos tempos de Boa Sorte, Meu Amor, praticamente não tendo nada a dizer que justificasse qualquer tentativa de compreensão.
O debate nos relembrou de momentos da mostra no passado, onde os debates dos filmes da competição rendiam defesas e ataques muito quentes. reprisados nessa última semana. A resenha rendeu até uma discussão mais acalorada com um colega de imprensa para além das cercanias do local, mas que nada fez além de mostrar que Aragão continua não conseguindo responder pela sua obra, ou pelas suas atitudes, do passado ou do presente. Uma lástima que um cineasta outrora tão talentoso, tenha chegado ao ponto de não ser mais reconhecido, pelo talento que um dia demonstrou e pelas ideias retrógradas que encampa hoje.
O saldo do festival é positivo, com diversas descobertas para o futuro, e uma promessa que nasce com sabor de certeza; estaremos todos de olho nos próximos passos de Fábio Rogério (curta-metragista já reconhecido) e principalmente de Wesley Pereira de Castro. Loucura loucura loucura loucura… caixa d’água.
Abaixo, os premiados da 28a. Mostra de Cinema de Tiradentes:
MELHOR LONGA – MOSTRA OLHOS LIVRES:
Deuses da Peste, de Tiago Mata Machado e Gabriela Luíza
MELHOR LONGA – MOSTRA AURORA:
Um Minuto é uma Eternidade para quem Está Sofrendo, de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro
MELHOR LONGA – MOSTRA AUTORIAS:
Parque de Diversões, de Ricardo Alves Jr.
MELHOR LONGA – JÚRI POPULAR:
3 Obás de Xangô, de Sérgio Machado
MELHOR LONGA – AQUISIÇÃO RETRATO FILMES:
Prédio Vazio, de Rodrigo Aragão
MELHOR CURTA – JÚRI OFICIAL:
Entre Corpos, de Mayra Costa
PRÊMIO HELENA IGNEZ – DESTAQUE FEMININO:
Ticiane Simões, atriz de Entre Corpos
MELHOR CURTA – MOSTRA FORMAÇÃO:
Desconstruindo Lene, de Guilherme Maia
MELHOR CURTA – JÚRI POPULAR:
Dois Nilos, de Rodrigo de Janeiro e Samuel Lobo
MELHOR CURTA – PRÊMIO CANAL BRASIL:
Marmita, de Guilherme Peraro
PRÊMIO BRASIL CINEMUNDI – WIP CORTE FINAL:
A Voz de Deus, de Miguel Antunes Ramos
Morte e Vida Madalena, de Guto Parente