Crítica | Festival

A Censora

Corpos em confronto

(Cenzorka, ESL, CZE, UKR, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Peter Kerekes
  • Roteiro: Peter Kerekes, Ivan Ostrochovský
  • Elenco: Maryna Klimova, Iryna Kiryazeva, Lyubov Vasylyna, Vyacheslav Vygovskyl, Oleksandr Mykhailov
  • Duração: 93 minutos

Para alguém que está na sexta cobertura do festival Olhar de Cinema, é fora do comum encontrar um filme como ‘A Censora’ em qualquer situação, que dirá na competição principal. Não que o filme seja uma demonstração clássica do cinema mais tradicional possível, mas mesmo produções assim, menos aproximadas de experimentações que radicalizam sua concepção, não parecem ter muito espaço por aqui. Encontrar uma produção como essa eslovaca, que além disso ainda parece ter agradado várias alas da cinefilia, realmente é um feito e tanto, dentro ou fora de qualquer festival. Seu respeito pela história que conta, seu cuidado com o desenvolvimento, não contempla o ineditismo, mas suas escolhas são tão acertadas que o espectador devolve admiração pela obra. 

Isso não significa que o diretor Peter Kerekes esteja dormindo em serviço. Vencedor do prêmio de melhor roteiro na mostra Orizzonti do festival de Veneza, ‘A Censora’ só não se aventura por esse lado da experimentação. Requinte em sua forma existe, no entanto, e uma narrativa muito seca sobre a vida de condenadas pelo Estado, com a rotina diária daquele grupo margeando o trabalho de Kerekes. É um trabalho de foco extremo, entre duas mulheres ligadas pelo espaço físico, uma presidiária e a profissional do título, que naquele ambiente recebe as cartas enviadas a elas e literalmente censura o que elas não podem ter acesso. Aos poucos, tudo aquilo se transforma em uma grande massa única, que trata suas duas vertentes da produção de maneira igualitária em seu tempo de cena, e a na psicologia de suas personagens. 

A produção frontaliza todas as suas situações. As entrevistas para possíveis liberdades condicionais, a visita da mãe da personagem-título, a relação dessas mulheres com a maternidade, tudo isso é visto com franqueza. Buscando sempre ocupar corpos e mentes em cada um dos momentos onde o filme aposta nessa segurança, existe uma forma de filmar aquelas mulheres onde a câmera parece exigir delas somente suas verdades, ainda que mais recônditas. O que sai de cada um desses encontros informais são meras representações de uma realidade, um simulacro que flagra suas personagens nesse limiar do documental. São mulheres muito jovens ou bastante maduras desenvolvendo essa concepção, e entre elas com certeza se encontram atrizes não-profissionais, algumas com certeza devem já ter passado pelo que o filme debate. 

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Lesya é uma dessas mulheres encarceradas. Como tantas ali, cometeu seu crime por amor, e na cadeia dá a luz, também como muitas na mesma situação. De acordo com as regras, poderá conviver com seu filho durante três anos, período em que ele também morará na instituição. Paralelo à ela, a personagem-título acompanha suas tentativas de conseguir uma condicional, e posteriormente conseguir ajuda de alguém enquanto não sair do estado em que se encontra. Essa condução dos eventos muitas vezes tem caráter semi-documental, inserindo suas atrizes em situações absolutamente prosaicas dentro daquele universo. As mesmas respondem com a naturalidade exigida, o que incorpora à experiência um incômodo pelas envolvidas e suas histórias narradas, mas também uma dose de empatia sem igual. 

Esse confronto das personagens com a imagem, de se colocar maiores a respeito do que representam, de projetar a história de muitas em cada uma, de ser uma força imagética para além de suas impressões particulares, é o que constrói ‘A Censora’ como um gesto de resistência e de óbvia sororidade, representada bem antes das sequências finais. Ainda que passeie por lugares até previamente imaginados, onde a previsibilidade se movimente sem vergonha, o filme tem dinamismo suficiente para observar cada uma dessas fatias de questão e ainda assim sobreviver ao caminho certo. E mesmo dentro dele, reinventar com sua dramaturgia novas formas de realizar o já feito. 

Nota: 3.5

Um grande momento
Lesya e sua sogra

[11º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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