Cinema em linhas

A distopia é agora

Debater distopia enquanto futuro vivendo um momento consensualmente distópico foi o grande desafio da mesa mediada pelo técnico do Sesc Leandro Luz (RJ) na tarde de quinta-feira (7) na III Mostra Sesc de Cinema. Artur Tadaiesky (PA) e João Luciano (MA), respectivamente diretor e roteirista de A Besta Pop; Rodrigo Aragão (ES), diretor de A Mata Negra; e Giselle Ferreira (MG), assistente de direção de Plano Controle; até falaram sobre suas poéticas futuristas e retrofuturistas, mas inevitavelmente a conversa circulou em torno do cenário desolador em que se encontra o país.

Aragão, dono da frase do dia – “a pior coisa que pode acontecer com um diretor de terror é ver a realidade ultrapassar seu roteiro” –, relembrou a trama terrivelmente premonitória de seu Mar Negro (uma misteriosa mancha negra atinge o litoral e afeta brutalmente a fauna marinha e os pescadores), o sinistro discurso do pastor que quer ser presidente (Jackson Antunes) em A Mata Negra, gravado há dois anos, e revelou com pesar que todas as locações de seu primeiro longa, Mangue Negro, foram destruídas na última década. A situação atual o faz repensar suas estratégias e ele confidenciou que pretende investir em finais felizes como um afago no público já tão sofredor. É interessante pensar na vida atual como uma distopia povoada por zumbis que tem tudo para inspirar uma nova utopia no cinema brasileiro ao mesmo tempo em que nota-se o boom das distopias feitas recentemente chegando às telas, como Bacurau e Divino Amor. Cabe ao cinema ser válvula de escape ou despertador? Que tal os dois?

Questionados sobre o futuro, Giselle enumerou projetos de temática lésbica seus e de colegas que foram sumariamente cancelados, o que não lhe dá qualquer perspectiva de futuro; mais otimistas, os realizadores de A Besta Pop estão com o roteiro da sequência pronto e creem ser o momento de não desistir e muito produzir, investindo na união e em novos meios de produção; já Aragão disse ser obrigação do artista lutar e bater mais forte a cada golpe recebido. Sua dúvida é se isso chegará ao público e como, pois o sistema de distribuição brasileiro é insustentável, na sua leitura sendo as distribuidoras nacionais semelhantes a despachantes de carro. É o conhecido drama do gargalo da distribuição que, com razão, tem potencial para surgir em qualquer mesa de debate relacionado ao cinema nacional. Será sonhar com a solução para esse dilema a derradeira utopia?

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Foto do destaque: “Era uma vez Brasília, de Adirley Queirós”

Taiani Mendes

Crítica de cinema, escritora, poeta de quinta, roteirista e estudante de História da Arte. Também é carioca, tricolor e muito viciada em filmes e algumas séries dos anos 90/00.
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