- Gênero: Drama
- Direção: Pedro Diogenes
- Roteiro: Pedro Diogenes, Amanda Pontes, Michelline Helena
- Elenco: Demick Lopes, Lis Sutter, Jesuíta Barbosa, Jupyra Carvalho, Ana Luiza Rios
- Duração: 100 minutos
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Existe uma vibração cromática dentro da filmografia de Pedro Diógenes que ele faz questão de realçar, para contar suas histórias. Em Inferninho, tudo era cor, da bandeira do arco íris que contrastava com o acinzentado das paredes do cenário, passando pela explosão vinda de cada indivíduo. Em Pajeú, o preto da figura fantasmagórica tentava avançar sobre um realismo onde aquela proposição se associava à dor, à perda e ao luto. Chegamos então a A Filha do Palhaço, o filme onde Diógenes parece se encontrar com o real de maneira mais pé no chão. Mas essa pulsão de vida comum e emoção comum e genuína, não desabona o espectro de uma verdade multicolor que está na paleta do diretor, e que se encontra à perfeição no dia a dia de seus protagonistas, ‘policores’ em muitos aspectos.
Pedro Diógenes mais uma vez se debruça sobre um lugar da investigação artística-experimental, ainda na tentativa da imagética fabular, mas dessa vez com um propósito que entende o naturalismo como uma porta de adequação. São cores vibrantes que extrapolam o lugar de uma cena comum, ao mesmo tempo em que abre espaço para esse comum ser capturado pelo maravilhamento do brilho e da cor diante da melancolia. A Filha do Palhaço é um filme cujo emocional também está atrelado a um cativo do concreto, com escolhas narrativas muito aproximadas de um querer real. A sua contação de história não investiga, dessa vez, o lugar da ilusão e do onírico, mas insere esse sonho imagético dentro de uma concretude, ainda que descolada do mais simples.
Se a princípio o título do filme causa uma estranheza quase incômoda, pelo tipo de atuação Renato performa em cena, a entrada do personagem de Jesuíta Barbosa ratifica as muitas escolhas possíveis da produção. E mais uma vez Diógenes procura refúgio na arte; aliás, na Arte, porque a expressão artística é maiúscula sempre para o diretor. Mais uma vez ele a abraça enquanto forma de comunicação e diapasão libertário, a Arte vista como uma forma de continuar existindo. Mais uma vez também, o autor escolhe recorte diante do prisma mais singelo e radical, o artista underground, quase mambembe, que vê seu lugar como uma última opção de salvação, e única escolha possível de vida. Do encontro entre essas duas narrativas artísticas, esses dois artistas possíveis, nasce uma história de redescobertas, de um homem, pai, artesão de si mesmo, repleto de possibilidades.
Outra coisa que A Filha do Palhaço reafirma do lugar estético de seu diretor é a opção pelo artificialismo como modo de encampar uma narrativa. Ainda que dessa vez ancorado em naturalismo, o filme não se deixa abraçar por uma estética chapada de uma ideia (igualmente falsa) do que seria a vida real. Com ajuda da direção de arte de Thaís de Campos, o filme flerta com a boemia, com a purpurina e com a lantejoula, sempre colocados em pontos estratégicos de visão, que vez por outra tomam o plano de assalto. São esses momentos que transformam a produção em algo saído desse autor, que se reconhece no que já fez, sem abrir mão de tentar algo cada vez menos decalcado do passado.
Nosso olho em A Filha do Palhaço está na farsa que sai do palco e arrebenta a vida dos protagonistas, seja pelas apresentações caricatas ou pela mentira deliberada que contam para si ou para o outro. Parte do lugar de Silvanelly, o alter ego de Renato, para se enrolar por toda a produção, que se revela muito mais efervescente do que poderíamos imaginar. Dessa farsa, no entanto, escapa uma verdade: o calor que evade dos pés sujos, dos botecos e das esquinas que o filme se ambienta. Nos sentimos estranhamente à vontade com aqueles lugares que se mostram palco de dores e possíveis amores, e que nos convida para ficar, sentar e também sentir esse calor que se mostra sempre convidativo.
Depois de trabalhos memoráveis em filmes como Greta, Demick Lopes está aqui em um registro contraditório que torna sua atuação singular. No palco, Silvanelly é um furacão que esconde a introspecção de Renato, um homem de muitas perdas no início de um processo de ressurgimento. Sensível, Lopes consegue mostrar duas personas em um único trabalho, que não deixam de dividir o mesmo cavalo para ter vida. Sua performance é cativante, motivadora e um grande presente de Diógenes para esse ator que ainda precisa ser mais acessado. Ele é o motor, a alma, o coração, o corpo e tudo mais de A Filha do Palhaço, que ainda volta a colocar o cinema brasileiro como um lugar de recuperação de todos os tipos de arte. Não é à toa que Joanna, uma grande voz nacional que sempre foi tratada como produto inferior, é revitalizada aqui – a Arte pode e deve ser por todos e para todos.
Um grande momento
Pai e filha na praia