Há filmes que insistem em vestir a desgraça com roupas de gala. A Garota com a Agulha é uma dessas criaturas estéticas. Ela se apresenta com imagens em preto e branco meticulosamente compostas, em uma beleza sombria que parece querer encantar. É um discurso elegante que sorri diante do horror, como se aquilo fosse arte primeiro e tragédia depois. Em plenos anos 2020, depois de tanto que se falou sobre isso, não se trata apenas de falta de sensibilidade, mas de moral cinematográfica.
Karoline não é personagem. É símbolo ambulante da miséria no pós‑guerra. Violada pelo desemprego, pela pobreza, pelo abandono e pelo absurdo de uma adoção clandestina que se converte em horror. A escolha estética transforma a dor em quadro de museu. O fato histórico se torna objeto estético. A brutalidade ganha forma refinada e o choque leva onde não deveria. Isso não só irrita, mas aliena. Não queremos contemplar a morte, queremos resistir a ela. E o filme não permite isso.
A relação entre Karoline e Dagmar inquieta e há potencial em explorar esse vínculo como farsa, como armadilha moral, mas tudo ali parece roteirizado para o espanto acadêmico. Mesmo que tenha imagens grotescas, a repulsa é artificial. A escolha de iluminar retratos com luz direta nos lembra os filmes de horror e, ainda assim, a sensação que fica é de zelo demais na composição e falta de urgência no olhar. A força da trama se apaga diante do plano calculado.
O que me incomoda profundamente é a sensação de que o filme se protege do choque, preferindo tratá-lo como lembrança estilizada. A violência corporal, o frio social e os desfigurados viram um gesto poético, são inseridos em um quadro mais belo do que perturbador. Isso apaga o horror real. Não se trata de estética contra conteúdo, mas de escolha. Aqui, o horror estético neutraliza o horror histórico. Nesse contraste, o espectador é convidado a admirar a forma, não a se indignar com o conteúdo.
A decepção aumenta porque estamos em 2024, temos consciência sobre as narrativas que exploram os sofrimentos extremos e sabemos a linha tênue entre denúncia e espetáculo. Um filme que busca estética na desgraça já parte de um erro ético, e, definitivamente, A Garota com a Agulha cruza essa linha.
Para que houvesse justiça para o gráfico – ainda que amargo – ela deveria ser transitiva: ao mostrar horror, o filme deveria permitir resistência, questionamento. Mas tudo ali parece feito para manter distância, para manter o olhar distante e refinado. E não há esperança em um filme assim. Nem sobre a personagem, nem sobre o que ele quer dizer. Só sobre o que ele quer ser: um belo arranjo de sofrimento. E isso, para mim, é intolerável.
Um grande momento
Quando o filme acaba