- Gênero: Comédia
- Direção: Rogério Sganzerla
- Elenco: Helena Ignez, Jô Soares, Stênio Garcia, Paulo Villaça, Antonio Pitanga, Abrahão Farc, Thelma Reston, Silvio de Campos Filho, José Carlos Cardoso, Antonio Moreira, José Agrippino de Paula
- Duração: 93 minutos
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Rogério Sganzerla não faz concessões em A Mulher de Todos. O filme não tem freio e nem a menor intenção de agradar, é insolente, espalhafatoso, debochado e é justamente aí que encontra parte de sua força. Mas mais do que a histeria do cinema de invenção, ele tem a presença soberana de Helena Ignez. Porque este não é um filme qualquer: é um filme que tem dona, é governado por ela, não apenas pelas mãos do diretor, mas pelo corpo, pelo olhar, pelo gesto de Helena. Uma mulher no controle absoluto da narrativa, em plena ditadura militar.
Ângela Carne e Osso não é apenas uma personagem inventada no roteiro; é um corpo político em movimento. Uma mulher que não pede licença para existir, não se curva aos homens que a rodeiam, não se desculpa por desejar. Helena transforma cada cena em campo de batalha e em desfile. Ela não é musa inspiradora, é autora. Ela constrói Ângela além daquilo que estava previsto, inunda o filme com a própria presença e reescreve o espaço da mulher dentro do cinema brasileiro.
Sganzerla entrega o palco ao excesso. É colagem, canibalismo pop, é carnaval misturado com noir. O filme cospe referências e ri da própria precariedade. A montagem é nervosa, frenética, os planos são sujos, o som é atravessado por ruídos. Tudo é pensado para ser desconfortável, para negar qualquer ideia de beleza clássica. No Brasil atravessado pela repressão do AI-5, esse cinema aparece como resposta a um país sufocado. A Mulher de Todos vai além da afronta política tradicional. Explode porque dá à mulher um lugar que lhe era interditado: o de dona da própria história. Não existe punição para Ângela Carne e Osso, não há arrependimento, não há trajetória redentora. O filme, assim como sua protagonista, se recusa a pedir desculpas.
É um cinema que renega a ordem, que faz da sujeira linguagem, da velocidade método, da improvisação estética. Mas o mais revolucionário é a liberdade de Helena. O escândalo maior não está no sexo, no deboche ou na provocação ao moralismo. O escândalo maior é o protagonismo. No meio de uma filmografia brasileira que sempre colocou mulheres como adorno, como corpo de fundo, A Mulher de Todos ergue uma mulher que domina tudo, que comanda a cena e que não se submete.
E é por isso que o filme não envelhece. Ele incomoda porque é caótico, mas mais ainda porque entrega o controle a uma mulher. No cinema de Sganzerla, a desordem é política, mas é Helena quem dá rumo à anarquia. É ela quem transforma o caos em potência, a sexualidade em discurso, a marginalidade em poder. E mesmo hoje, décadas depois, é impossível assistir sem sentir: quem comanda o filme é ela. E que bom que é assim.
Um grande momento
Resolvendo a espionagem.


