- Gênero: Suspense, Drama
- Direção: Felipe Matzembacher, Marcio Reolon
- Roteiro: Felipe Matzembacher, Marcio Reolon
- Elenco: Gabriel Faryas, Cirillo Luna, Henrique Barreira, Ivo Müller, Kaya Rodrigues, Larissa Sanguiné, Gabriela Grecco
- Duração: 111 minutos
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Existe um traço claro de evolução na obra de Felipe Matzembacher e Marcio Reolon, cujo novo Ato Noturno potencializa a afirmação. Embora sempre tenham estados ligados ao que era tematicamente relevante em suas obras, dessa vez o casal de autores vão na direção do Cinema, e fazem seu noir gaúcho, amplamente inspirado em tantos desdobramentos da arte audiovisual ao longo dos tempos. Com essa nova possibilidade de ir além do discurso ao abraçar uma proposta estética, Matzembacher e Reolon mostram que sua filmografia está viva e pronta para mutações bem-vindas, onde um acerto de apontamento de linguagem se mostre o mais acertado teor. Seu filme conversa com o cinema pela forma, e com o nosso tempo pela urgência do que se fala, ao cair numa reincidẽncia do apego ao perigo como o cinema LGBTQIAPN+ costuma abordar, geralmente de maneira acertada como aqui.
Vem de dentro de Ato Noturno uma espécie de rebeldia do corpo, do tempo, uma irritação com o estado das coisas, uma teimosia a respeito do que vemos e do que podemos e não podemos. Por isso é fácil encontrar nessa desordem criada pelo desejo uma resposta e uma reintegração das imagens ao que os anos 70 trouxeram de reverberação, seja no comportamento, seja na insistência ou seja na arte. O tipo de teatro montado no filme contém uma picardia que foi vista por lá; o tipo de cinema que Felipe e Marcio exploram aqui tem a ver com um flerte à boca do lixo sem perder sua própria identidade; o tipo de fisicalidade exposto aqui tem um quê de referencial ao que aqueles corpos ousaram atingir. É prazeroso encontrar tal resposta nas imagens à tanta caretice que nos assola de maior ou menor maneira, e que precisa ser respondida com inquietação.
O comportamento normativo que é encenado aqui tido como aceito dentro dos códigos sociais, e que o filme a princípio performa aceitação, é cada vez mais exasperante para seus personagens; logo, também o é ao espectador. Se quem encena a obra é mostrado como visivelmente desconfortável com os rumos e não consegue fazer valer sua energia vital em cena, Ato Noturno não pega pela mão do espectador. Pelo contrário, o desafia a sofrer junto com essa opressão canalha que não vem do indivíduo, mas da norma e do moralismo. Em determinado momento, um personagem (negativado, diga-se) declara que “hoje em dia já temos políticos e artistas abertamente homossexuais”; ora bolas, porque então continua sendo difícil amar?
Unido aos ditames ao redor, existe também a dificuldade particular dessa entrega. Não é fácil amar mesmo, não é fácil dedicar-se, não é fácil corresponder ou cobrar correspondência; Ato Noturno também lida com a comodidade natural que o sujeito queer tem com a derrota, com o ‘não’. Paralelo a isso, vemos como é fácil sujeitar-se a modelos de máscaras sociais para estar em convívio, sejam elas inclusive para esconder as escorregadelas de caráter de cada um de nós. Um dos muitos elementos interessantes aqui presentes é não pintar os personagens de uma aura positiva ou negativa; tipo de um lado modelam o outro, e vice-versa com alguma naturalidade. Diante do modelo aceitável, escondemos nossa marginalidade pois temos um jogo a vencer.
O elenco está entregue, mas a direção e o roteiro de Ato Noturno buscam muito mais a performance do que a interpretação, ao que parece. Algo que poderia diferenciar esses dois caminhos talvez vá por uma ordem do físico, do motor externo, da postura, do que entre os canais emocionais de hábito. Acredito que isso também faça parte do jogo corajoso dos seus autores, que situam um teatro de jogo corporal na dinâmica do filme; o sexo é performance, a dança é performance, o conflito é performance. Temos mais em cena o corpo em movimento, e dentro desse lugar cria-se um dispositivo de arranjo emocional; ele nunca esteve em situação de abandono dentro da obra, mas em um lugar de acesso que também é correspondido pelo toque, por uma verdade cênica que inclui o contato físico.
Dentro desse modelo, Henrique Barreira e Cirillo Luna têm mais entrega que Gabriel Faryas, um ator que brinca com suas inseguranças e as deixa expostas, enquanto os outros dois saem-se mais experimentados. Ainda que exista química latente no trio (e que Ivo Müller ofereça toda a ambiguidade necessária para abrigar a quebra do controle), é ainda mais interessante que esses corpos estejam dispostos ao contato, porque Marcio e Felipe moldam o esquema para esse lado. Ato Noturno é, como já dito, uma evolução dos criadores de Beira-Mar e Tinta Bruta, que aqui nos mostra que o aprendizado pode acontecer em uma espécie de ensaio aberto. Assim como a liberdade de expressão sexual é um direito inalienável, seus autores mostram que seu caminho está em processo de molde, e se ainda assim eles já fascinam com sua paixão, não resta ao espectador outra coisa que não trabalhar as ferramentas da ansiedade para com suas próximas obras.
Um grande momento
O beijo testemunhado no escritório / o clímax


