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A Princesa

Direito ao escapismo sanguinário

(Le-Van Kiet, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: Le-Van Kiet
  • Roteiro: Ben Lustig, Jake Thornton
  • Elenco: Joey King, Dominic Cooper, Olga Kurylenko, Veronica Ngo, Ed Stoppard, Alex Reid, Kristofer Kamiyasu, Katelyn Rose Downey, Fergus O’Donnell
  • Duração: 94 minutos

O diretor vietnamita Le-Van Kiet conseguiu um feito e tanto em seu país: um sucesso de artes marciais, Fúria Feminina, assistido por muitos, elogiado pela crítica, que se tornou o candidato de seu país ao Oscar de filme internacional daquele ano, e o trouxe até aqui. Aqui, no caso, é uma das estreias mais importantes do mês da Star+, A Princesa, outro filme onde ele exalta a força do protagonismo feminino, sua vocação para o centro da narrativa, e acima de tudo, seu direito ao escapismo que muitas vezes foi relegado ao homem. Não, não estou dizendo que o diretor inaugura o cinema de ação protagonizado por mulheres, principalmente porque figuras como Pam Grier são históricas. O que ele faz aqui é expandir um lugar onde a violência não chega à mulher como agente receptor apenas, que é exato o espaço que ainda hoje as personagens femininas estão inseridas. 

Corta para 1993, ano de lançamento de A Assassina. Remake do hoje clássico Nikita, de Luc Besson, o filme estrelado por Bridget Fonda é um fracasso nas bilheterias americanas. Muito se comenta a respeito do público médio, aquele que enche as salas de cinema em busca de blockbusters rápidos, não ter aceitado uma protagonista feminina no comando de um longa de ação nos moldes do que faziam à época Sylvester Stallone e Steven Seagal, com imenso sucesso. Passados 30 anos da ocasião, atrizes como Charlize Theron, Brie Larson, Scarlett Johansson, Diane Kruger e tantas outras não precisam viver com o estigma que a sobrinha de Jane Fonda – e excelente atriz – viveu. O espaço para o heroísmo feminino existe, e longas como ‘Atômica’, ‘Lucy’ (do mesmo Luc Besson) e produções da Marvel são protagonizados por mulheres que arrastam milhões aos cinemas. 

O que A Princesa faz tem um mínimo de diferencial, ainda que em campo restrito. Esse gênero dominado por Ridley Scott, o épico medieval um dia chamado ‘capa & espada’, raras vezes foi centralizado em uma figura de aparência tão jovial e pouco ameaçadora. Figuras como as de Charlton Heston e Russell Crowe nos povoam a imaginação com suas versões mais másculas ao empunhar seus sabres reluzentes. É dado a hora de alguém como Joey King não apenas se aventurar nessa seara, como o de realizar feitos heróicos, e mais que isso: tirar sangue de maneira explícita de seus oponentes. Podemos dizer que muitas das cenas apresentadas aqui são inverossímeis, mas quantas foram as vezes onde ficou claro que Keanu Reeves não teria condições de vencer uma luta, e com a força da suspensão da descrença, um milagre aconteceu?

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Ou seja, nada do que é impossível em A Princesa já não foi impossível anteriormente com machos alfa, a diferença é que fazíamos pouco caso de suas vitórias nada plausíveis. Aqui, a estrela de A Barraca do Beijo está muito à vontade como a jovem que não apenas mata e esfola (às vezes com requintes sanguinários), como também se empodera em um tempo e em um regime onde as mulheres não tinham direito ao poder. Esperar ser desposada não era um desejo de sua personagem, e percebendo isso desde cedo, ela resolveu ter voz para quando pudesse ser ouvida e armadura para quando não pudesse. A jovem atriz, que praticamente cresceu diante das câmeras, está muito bem em um papel onde poucos se atreveriam em escalá-la, e reside aí um dos acertos do filme, subverter as expectativas. 

Não se trata de uma produção de imensos recursos, apesar do selo da multi poderosa da Fox Century Studios. A Princesa tem alguns momentos onde os efeitos especiais parecem ter sido finalizados na semana passada, e em alguns outros a impressão é de que os profissionais que se ocuparam de uma cena deveriam estar de folga na seguinte. As cenas de ação parecem se repetir, e em determinado momento, quando a princesa encontra mais uma vez um homem com um dobro da sua altura para enfrentá-la, sentimos um cansaço estético, uma limitação de seus esforços. Mas Kiet também tem visão para o negócio onde se meteu e cria momentos muito inventivos, como a luta final entre a protagonista e sua rival vivida por Olga Kurylenko (de A Sentinela’), o que prova esse contraste comentado. 

Apesar de trazer uma trama tão básica quanto rasa, A Princesa consegue uma inesperada duração enxuta justamente porque deleta todo aquele tradicional começo, onde durante meia hora acompanhamos como era feliz aquele reino antes da chegada do golpe. Na visão de Kiet, todo esse interlúdio pode ser pulado já para ação, reservando poucos momentos para flashbacks explicativos e curtos, e igualmente desnecessários. Com agilidade de sobra, o filme passa longe de cansar e dá ao público feminino também o direito de sonhar com grandes aventuras, como tantos meninos cresceram sonhando. Já faz tempo que os vilões hollywoodianos não podem menosprezar as garotas, e agora elas começam a mostrar que não tem nenhum medo de um esguicho de sangue em seu rosto. 

Um grande momento
A luta na cozinha 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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