Crítica | Streaming e VoD

A Sentinela

Feijão, arroz e molho especial

(Sentinelle, FRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: Julien Leclercq
  • Roteiro: Julien Leclercq, Matthieu Serveau
  • Elenco: Olga Kurylenko , Marilyn Lima, Michel Nabokoff, Martin Swabey, Carole Weyers, Andrey Gorlenko, Gabriel Almaer
  • Duração: 80 minutos

O corpo da soldado mulher é um foco constante de tensões no novo filme de Julien Leclercq, A Sentinela, novo sucesso da Netflix. Ele filma esse corpo compondo através desses closes toda a carga dramática que acompanha a personagem depois de uma grande perda em missão no Oriente Médio; suas mãos, seus olhos, suas pernas e pés, nada está sob controle, ainda amortecidos e necessitados de ajuda de barbitúricos de qualquer espécie para continuar servindo à sua missão. Klara é um soldado em constante zona de risco, agora tão externamente quanto internamente, e os fantasmas que amealhou em combate se juntarão a novos, dando um toque de denúncia ao thriller.

Leclercq ultimamente tem se provado um mestre em equalizar suas narrativas sobre vingança à base de imagens cheias de significado, textura imagética que o diferencia de um produto genérico, sem nunca parecer pretensioso ou metido. Após impressionar com Lukas e A Terra e o Sangue, o diretor francês que está se preparando para rodar a biografia do grande rival de Ayrton Senna, Alain Prost, retoma esse tema tão caro à ele substituindo o tradicional elemento masculino central por Olga Kurylenko, e só essa adição já acrescenta reais elementos de interesse diferenciados a uma narrativa já vista; os detalhes é que elevam a produção.

A Sentinela

De cara, A Sentinela deixa claro como o diretor continua sendo requintado e elaborando suas imagens para que seus longas sejam mais do que diversão vazia. Na abertura, temos acesso ao trauma que desencadeia a volta da protagonista pra casa, uma cena que impressiona pela mise-en-scène acurada em cada detalhe, desde o cuidado com a representação do exército em zona de guerra até o ataque trágico que detona a narrativa, passando pela própria Klara, uma mulher com rígidos princípios de obediência que, durante o filme, desconstrói toda a personalidade forjada fora do quadro, ao mesmo tempo que apresenta suas particularidades.

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O filme tem uma textura de imagens que captura as necessidades de cada cena sem jamais perder a unidade, conservando um padrão distanciado entre protagonista e seu universo de trabalho, como se dissesse qual a espinha dorsal da produção e de quem é o foco, literalmente. Seu rosto está sempre disposto à luz, enquanto quem cruza por ela enfrenta diferentes graus de sombra, descaracterizando seu entorno de ação. O fotógrafo Brecht Goyvaerts já tinha trabalhado com Leclercq em seu filme anterior, e aqui consegue ainda mais aderência à linguagem pretendida pelo autor, emoldura sua sutil bandeira contra a violência sexual embalando-a com tintas comuns para que o panfleto não esteja presente no quadro final.

A Sentinela

O filme, de duração enxuta, executa seus processos com tanta eficiência que a impressão é de que muito mais tempo foi gasto em sua feitura, dedicando iguais porções de intimidade à personagem, sua rotina e a queda de status que é sentido também de maneira suave em diálogos que não podem ser perdidos, e como a pressão do trauma produz seres humanos traumatizados que carregam consigo toda sorte de desconfiança, medo e um peso dramático que desestabiliza não apenas a sua vida. A montagem (a cargo de Soline Guyonneau) encadeia doses precisas de todos os elementos que compõem o quadro bem elaborado.

Parece um grupo muito alongado de elementos a serem representados a contento em 1 h 20, mas como deixa claro desde o início que seu foco é exclusivo de sua personagem central, todo o resto é visto como acessório e não se encaixa na estrutura armada que centraliza a ação elaborada. Ainda assim, o filme distribui sem julgamento nenhuma das reflexões a respeito da personalidade feminina, seja através da precisão de Klara, da abnegação de sua mãe, da liberdade sexual de sua irmã (e até uma passagem tão bem incorporada da sua própria), e da policial que investiga o crime cometido na metade da produção – uma gama ampla de personalidades que cercam a jornada de destruição e salvação de Klara.

Leclercq não deixa apenas a elaboração pessoal de sua protagonista determinar a moldura de seu filme, levando até A Sentinela um recheio condizente com o que se espera de uma fita de suspense em planos, e na construção imagética da ação, sempre muito bem coreografado e com ênfase evidente no esforço físico dos participantes, em sequências que duram mais do que a média, deixando claro que nada é fácil de se resolver em embates físicos e dando veracidade aos mesmos, que deixa claro mais uma vez como seu autor não se preocupa com apenas um aspecto de seus filmes.

Um grande momento
Luzes difusas separam as irmãs na boate

Ver “A Sentinela” na Netflix

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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