Crítica | Streaming e VoD

After 2

Cinquenta tons de toxicidade fílmica

(After We Collided, EUA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Roger Kumble
  • Roteiro: Mario Celaya, Anna Todd
  • Elenco: Josephine Langford, Hero Fiennes Tiffin, Dylan Sprouse, Louise Lombard, Shane Paul McGhie, Candice King, Charlie Weber, Samuel Larsen
  • Duração: 105 minutos

Na última sexta-feira, saíram as indicações ao Framboesa de Ouro, a versão contrária do Oscar, dedicada a “premiar” as mais atrozes produções do ano. Esse ano, dois artistas consagrados e premiados obtiveram “reconhecimento” na lista de indicados, e têm chances reais de serem premiados mês que vem. Sia é uma artista pop das mais celebradas na música e estreou na direção com um projeto que acalentou durante muito tempo, Music, e com ele obteve indicações ao Globo de Ouro de melhor filme e então no avesso, em pior filme e pior direção. Além dela, Ron Howard, que há 20 anos atrás saiu da festa do Oscar como o grande campeão da noite com Uma Mente Brilhante, agora caiu na lista de piores com Era uma Vez um Sonho, chegando ao ponto mais baixo da carreira.

Essa introdução não é apenas para realçar o nível específico de After: Depois da Verdade (ou After 2, como está no catálogo do Prime Video), continuação inacreditável do igualmente inacreditável After, lançado há dois anos atrás, ambos adaptações da série de novelas de Anna Todd. A situação acima demonstra como seu cineasta, Roger Kumble, estreou no cinema com uma elogiada e rentável adaptação da novela de Choderlos de Laclos, Segundas Intenções, para uma carreira onde a ladeira pra baixo foi uma constante, e também ele chega aqui a um ponto onde só poderá subir, na sequência. Da promessa de uma estreia cheia de estilo, Kumble não parou de descer em indigência até chegar aqui, como “profissional contratado” de uma produção assustadora – de tão equivocada.

After 2

Se esteticamente Kumble já deixa claro que sua função é apenas captar as imagens de maneira ordinária e promover um programa sem qualquer personalidade (mesmo Cinquenta Tons de Cinza promovia elaboração de planos, ainda que na maior parte das vezes o mau gosto predominasse), aqui temos uma repetitiva utilização de flashbacks, de recursos de trilha sonora manjados que compõem uma leitura das cenas de maneira rasa através de letras de gosto duvidoso – a protagonista ceder à investidas sexuais enquanto é chamada de “bad girl” em determinada canção – e um trabalho sem textura de imagem, narrativamente essa continuação continua ofensiva.

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Tessa e Hardin são pintados como o “casal sem vergonha” da composição de Zeca Pagodinho – se agridem, verbal e fisicamente, são agressivos com outrem e consigo mesmos, dizem se amar mas fazem muito mal um ao outro, ainda que no fim do dia terminem cedendo ao tesão típico da pós-adolescência. Aí é que reside o foco dos problemas morais e narrativos de After 2, em colocar a personagem Tessa como um joguete nas mãos de Hardin, mesmo que a vida pra ela se apresente repleta de possibilidades afetivas e profissionais em posição de destaque dentro de uma certa cadeia de eventos, ainda mais para alguém tão jovem quanto ela.

After 2

É quase impossível de entender sua ligação com alguém que a explora emocionalmente e fisicamente, tendo ela tanta consciência dos eventos à sua volta e com um sem número de caminhos extremamente positivos dados a ela por conta de seus próprios esforços. Hardin é infantil, absolutamente instável, com inúmeros problemas de família que o levaram a se tornar alcoólatra, possessivo, agressivo, potencialmente violento e nem necessariamente bonito ou charmoso – de onde vem a paixão que incendeia a protagonista, tendo em vista que nos primeiros 20 minutos de filme ela parecia curada dessa doença (não tem como chamar de outra coisa)?

Ainda que demonstre talento, a jovem Josephine Langford (de Moxie) não tem como ampliar seu cardápio diante de diálogos tão chulos, situações medíocres e cenas repletas de uma infantilidade impressionante que ficam claras na cena da festa de réveillon, uma sequência de eventos bem grande, que expressa toda a falta de qualidade do material, que mostra as idas e vindas de um casal improvável para todos os lugares onde olhamos, sob todos os pontos de vista, e que tem gerado essa série de filmes cujo valor cinematográfico é nulo e o valor moral é negativo, não restando muitos motivos a se acompanhar tal saga, mas que um certo prazer culpado nos motiva a continuar fixados nessa tentativa de dobrar jovens mulheres diante de machos escrotos e tóxicos. Até onde isso vai dar não sabemos, mas dois novos capítulos já estão prontos. Deus nos ajude.

Um grande momento
rsrsrsrsrs óbvio que não há

Ver “After 2” no Prime Video

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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