Crítica | Streaming e VoD

Agente Infiltrado

Perigo real e imediato

(AKA, FRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Policial
  • Direção: Morgan S. Dalibert
  • Roteiro: Morgan S. Dalibert, Alban Lenoir
  • Elenco: Alban Lenoir, Eric Cantona, Saïdou Camara, Thibault de Montalembert, Aude Le Pape, Sveva Alviti, Lucille Guillaume, Philippe Résimont, Noé Chabbat, Vincent Heneine, Kevin Layne
  • Duração: 120 minutos

É, parece mesmo um jogo dessa dona Netflix. Ao menos a situação foi equilibrada, entre últimas produções muito boas (Encurralados) e muito fracas (Tudo pela Noiva). Voltaram então os biscoitos: essa estreia de hoje, Agente Infiltrado, produção francesa que passeia entre o thriller sangrento e a ação desenfreada, é um bom fechamento de mês. Estrelado pelo estranho Alban Lenoir (protagonista dos dois Bala Perdida), o filme não inventa a roda, pelo contrário, é uma produção que segue muitos padrões narrativos já vistos antes, mas é tudo feito com um esmero bastante evidente. O espectador é prestigiado ao encontrar uma fórmula tratada com cuidado, e pressente que não está sendo negligenciado pelo algoritmo. A valorização desse material e do que ele nos entrega estará comprovado na lista dos mais assistidos dos próximos dias. 

O filme é a estreia na direção solo de Morgan S. Dalibert, parceiro de Lenoir há quase 20 anos, quando surgiram juntos em Nouveau Monde. Se reencontraram com Dalibert assinando a fotografia de Bala Perdida, e agora estão juntos nessa produção que os coloca em destaque no conjunto. Não lhes falta experiência no gênero, e o grupo onde a produção se encontra tinha tudo para tornar o título mais do mesmo; se não vale a pena ir com a expectativa no alto, muito menos faz sentido torcer o nariz para um produto tão bem acabado. Isso não demora a se revelar e na verdade algo já é aventado desde o plano inicial com uma paisagem desértica muito bem fotografada. A sequência seguinte é a primeira de um sem número de compilações de momentos inspirados de ação, o resgate de um sequestro que termina de maneira inusitada, e equaciona o caráter de nosso protagonista. 

Agente Infiltrado
Nicolas Auproux

Adam Franco é um tipo do qual podemos esperar tudo. Ele é uma espécie de agente secreto da inteligência francesa que trabalha em situações de risco extremo, e precisa se infiltrar em uma quadrilha local pelo envolvimento da mesma com o que pode vir a ser um próximo atentado terrorista na capital. O problema é que o tempo dado a ele é o cúmulo do exíguo – ele tem dois dias para se infiltrar, ganhar a confiança do líder e encontrar a célula terrorista. Sabe-se lá como, Agente Infiltrado consegue nos convencer de que isso é possível mesmo sendo risível imaginar; entendam que sobra tempo inclusive para ele se apegar ao filho pequeno do chefão e estabelecer com a criança uma ligação afetiva. E como já dito, isso tudo é mostrado e o espectador só assente, tamanha é a confiança da produção no que está sendo contado. 

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Agente Infiltrado consegue nos conectar a um protagonista imprevisível, de reações indiscriminadas, que não tenta criar um vínculo empático de imediato com quem chega. Sua atenção está determinada pela missão que ele é designado a cumprir, onde não há espaço para a elaboração emocional. Aos poucos compreendemos que a produção utiliza das características do próprio personagem para estabelecer um código particular de conduta, onde nada está muito bem resguardado. Essa ideia de que tudo pode acontecer (e eventualmente acontece) modula a produção em um registro do imponderável, sob uma atmosfera de reiterada suspensão de eventos. Se qualquer coisa pode reescrever a narrativa a qualquer momento, o espectador é mantido em um estado de tensão para acompanhar os próximos eventos sem se prender às regras do melodrama, onde cada passo é antecipado pela estrutura histórica narrativa. 

Agente Infiltrado
Nicolas Auproux

Não podemos deixar de realçar a coragem com que, nos dias de hoje, um material como esse aqui é apresentado. Não vivemos mais os anos 80, de Stallone Cobra e Robocop; tudo no cinema de gênero é apresentado com assepsia padrão, como se houvesse a certeza da absoluta falta de risco para todos os envolvidos. Não estou falando da produção em si, mas o espectador que não sente a violência ou a apreensão com o que está sendo contado, qual motivação suscitará uma reação a quem assiste a obra? Agente Infiltrado é um filme que ao menos não foge da gravidade de seus eventos; nada é excessivo, mas o perigo existe e ele é mostrado. O sangue, verdadeiro ou não, precisa demarcar o terreno para que essa sensação de desamparo produzida não esteja apenas na ameaça, mas em vias de acontecer. 

O que fica mais exposto em relação às intenções de Agente Infiltrado é o quanto tudo o que vemos é fruto de uma crença tátil de que cada um daqueles elementos é o melhor possível. Embora não estejamos lidando com algo escalafobético em escala, ou com uma trama cheia de meandros sombrios e elucubrações herméticas, a dedicação impressa na tela é da ordem da confiança em mover cada um dos sentidos adiante. Em resumo, estamos diante de um produto para exportação que não envergonha ninguém, e coloca Lenoir em uma situação elevada diante da construção de sua presença. Aqui também trabalhando como roteirista ao lado do diretor, não há dúvida que estamos diante de alguém que entende e é apaixonado pelo que faz, e a forma como faz. É dessa confiança que nasce nossa relação com o material filmado, e a maneira envolvente com que essa relação entre espectador e autores é estabelecida. 

Um grande momento

A câmera de vigilância

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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