- Gênero: 103
- Direção: Nicolas Pariser
- Roteiro: Nicolas Pariser
- Elenco: Fabrice Luchini, Anaïs Demoustier, Nora Hamzawi, Léonie Simaga, Antoine Reinartz, Maud Wyler, Alexandre Steiger, Pascal Rénéric, Thomas Rortais, Thomas Chabrol, Michel Valls
- Duração: 103 minutos
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Logo nos cinco primeiros minutos de Alice e o Prefeito o espectador e a protagonista se dão conta de como o mundo é arcaico demais para as relações e denominações que o presente impõem à sociedade. Alice é contratada para ter ideias – essa é a sua função nos corredores do poder de Lyon. Isso é uma função, uma designação formal, um emprego convencional?, segue a protagonista indagando a si e ao seu entorno. Não importa muito, tudo está em colapso e desalinho; as pessoas ainda estão no seu habitat natural (o mundo), mas ele já não é mais o mesmo. Algo mutante desregula as relações, o poder é velho demais para quem lida com ele; nada mudou e tudo mudou.
Escrito e dirigido por Nicolas Pariser, o filme que estreou na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes de 2019 observa esse esgotamento global, não apenas na política, que o excesso de informações nos trouxe, e paralelo a isso versar sobre a inutilidade do discurso e das ações das figuras centrais do poder, agravado com a era da superinformação. O prefeito Paul Theraneau está vazio há pelo menos 20 anos, e ainda assim permanece no alto escalão; o automatismo e a burocracia que regem esses cargos permitem essa reflexão contemporânea sem ridicularizar nenhuma área, ao mesmo tempo em que culpabiliza todas.
Uma das grandes qualidades da narrativa que é tecida em cena é nunca assumir o cinismo como mola propulsora de sua ação, pelo contrário. Há uma carga de humanidade sendo desenvolvida a todo tempo em cena, seus atores se imbuem de veracidade para contar uma história que poderia descambar para o sarcasmo explícito (o protagonista, o grande Fabrice Lucchini, já esteve nesse lugar inúmeras vezes inclusive), mas o interesse da produção é não julgar nada, tudo é sintoma externo com o qual seus personagens devem lidar com seriedade, ainda que sua argamassa flexível nunca ermita que o filme se endureça ou perca o charme.
É muito gratificante, como espectador, observar como a produção escapa de todas as formas das tentações da comédia fácil, abolindo qualquer espectro de histeria – na trilha, na concepção dos planos, na embocadura com que o texto é pronunciado. Não significa, com isso, que se trate de um filme exatamente original ou inédito – o que temos em voga é aquele jogo de atração entre a tradição e modernidade, o velho e o novo, mas composto em planos mais pensados que geralmente são, com os detalhes do salão da prefeitura envelhecidos e a imagem de Alice geralmente sendo engolida pela grandiosidade tão indecente quanto carcomida por conceitos de tradição que estão se perdendo, e sendo substituídos pela consciência do vazio que os excessos trouxeram.
Os gatilhos de sempre, porém retrabalhados para inserir a política em mais um jogo que parece tratar sobre renovação, e que na verdade como sempre circula a manutenção de sempre do velho poder; ainda que não saibamos o que fazer com o mesmo, como desenvolvê-lo e modernizá-lo, não deixamos de querê-lo. O terço final de Alice e o Prefeito acaba mostrando que o filme não estava longe do que tenta suplantar a princípio, mas assim como a sua própria narrativa, sua costura é hábil o suficiente ara impulsionar o espectador rumo a esse momento de catarse final, ainda que elegante e longe de arroubos.
Vencedora de um surpreendente César de melhor atriz, Anaïs Demoustier tem uma entrega muito genuína como a jovem Alice, promovendo uma inteligente presença entre um elenco muito extenso, e uma conexão de muita substância com Lucchini, como já dito um ator de infinitos recursos, que obedece ao valor do projeto – aqui, discretíssimo e melancólico como o prefeito desiludido que enxerga na juventude de sua nova assistente uma possibilidade de reencontro com a chama perdida. Pariser, embora ofereça um painel comedido sobre um tema já tantas vezes debatido, tem à sua disposição um elenco muito concentrado no tom que empreende, o que coloca Alice e o Prefeito em lugar acima da média na captação da sua mensagem.
Um grande momento
Todos os olhares da ópera