Crítica | FestivalFestival do Rio

Amanda

(Amanda, FRA, 2018)
Drama
Direção: Mikhaël Hers
Elenco: Vincent Lacoste, Isaure Multrier, Stacy Martin, Ophélia Kolb, Marianne Basler
Roteiro: Maud Ameline, Mikhaël Hers
Duração: 107 min.
Nota: 10 ★★★★★★★★★★

Amanda tem início como uma agridoce história familiar, protagonizada por um casal de irmãos em momentos distintos da vida, mas ambos em busca de algum equilíbrio entre trabalhos que não lhes satisfazem totalmente e afetos erráticos. Ele, David (Vincent Lacoste), vinte e poucos anos, se divide entre dois empregos e começa um relacionamento aparentemente promissor com uma jovem recém-chegada a Paris (Stacy Martin); ela, Sandrine (Ophélia Kolb), um pouco mais velha, cuida da filha de sete anos (a Amanda do título, interpretada por Isaure Multrier), dá aulas de inglês e acumula frustrações amorosas. Até que uma tragédia força o rapaz a assumir responsabilidades sobre a sobrinha.

Desse ponto em diante, Amanda poderia simplesmente repetir os passos de um Kramer vs. Kramer (1979), acompanhando as dificuldades cotidianas de um homem jovem que tem que aprender a ser pai. Isso até está no filme, mas o que interessa centralmente a Mikhaël Hers, diretor e roteirista (esse último crédito dividido com Maud Ameline), é observar a construção da relação entre David e Amanda a partir do trauma que vivenciam.

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Os conflitos dos dois não se dão exatamente por questões cotidianas banais, mas pelo estado de absoluto desamparo em que se encontram. A garota não consegue, por exemplo, se decidir sobre passar a noite com o tio ou com a tia-avó não por ser irritante, confusa ou ainda excessivamente infantil (ela é até bastante madura), mas pela percepção de que nenhum deles substitui de fato a mãe ausente – e de que essa ausência é irreversível.

Hers erige seu filme em torno do imaginário do terrorismo contemporâneo, que povoa a Europa (a França em especial, após os atentados de 2015 e 2016), redefine hábitos e olhares, força um número cada vez maior de pessoas a reconstruir vidas esfaceladas por atos de violência repentinos e devastadores. Nesse sentido, Amanda é absolutamente certeiro na forma como introduz o terror na história: a ausência de qualquer crescendo dramático que dê pistas do que está por vir reproduz com perfeição a lógica abrupta e célere do próprio terrorismo; já a permanência de suas consequências se manifesta na dedicação do restante do filme a personagens tentando lidar com perdas e traumas.

E é dessa necessidade de seguir vivendo, de reconstruir rotinas apesar da tragédia, que Amanda tira parte considerável de sua imensa força dramática. Sem jamais perder de vista a fragilidade instalada nos protagonistas (há uma cena muito bonita nesse sentido, na qual David não consegue conter o choro em meio a um compromisso de trabalho), Hers vai aos poucos construindo uma sensível declaração de amor à capacidade que os homens e mulheres afetados diretamente pelo terrorismo têm de resistir à dor e olhar adiante.

Daí o final do filme. É até previsível que o diretor opte por encerrar a história no torneio de Wimbledon, mas não que ele o faça como faz. Ao prolongar a sequência da partida de tênis, relacionando diretamente as reações a cada lance com os sentimentos de Amanda sobre o mundo, Hers transforma o que seria uma mera rima narrativa (Sandrine presenteia o irmão com os ingressos para o torneio no início do filme) numa tocante explicação prática à garota da resiliência humana à barbárie. Cria, assim, um dos momentos mais bonitos do cinema recente.

Um Grande Momento:
A partida de tênis.

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[Festival do Rio 2018]

Wallace Andrioli

Wallace Andrioli é crítico de cinema e historiador, apaixonado pelos filmes de Alfred Hitchcock, Billy Wilder, Clint Eastwood e Edward Yang.
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