Crítica | Festival

André Is an Idiot

Rindo da morte

(André Is an Idiot, EUA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: André Ricciardi
  • Roteiro: André Ricciardi
  • Duração: 88 minutos

Existe um tipo de honestidade que poucos filmes conseguem alcançar, aquela que não passa pelo filtro do drama bonito nem pela necessidade de lição de vida, e é exatamente aí que André is an Idiot se encontra. No documentário de Tony Benna, um homem que ignora um exame básico, recebe um diagnóstico terminal e decide filmar os últimos meses da própria vida, tudo isso com uma mistura de humor grotesco e sinceridade desconfortável. O que poderia ser uma viagem clichê sobre redenção e legado vira um retrato estranho, imperfeito, mas vivo sobre alguém que não tem nenhuma intenção de terminar a vida de maneira exemplar.

O filme vai direto ao ponto, sem truques visuais, sem trilha sonora carregada, sem construção de cena planejada para emocionar. A câmera simplesmente acompanha André no cotidiano, nas histórias absurdas, nas piadas constrangedoras e nos momentos em que ele é só um sujeito lidando com a falência do próprio corpo do único jeito que sabe, fazendo graça. E não é um humor fácil, daqueles calculados para aliviar a tensão, é um humor de quem sempre viveu meio fora do lugar, de quem não se leva a sério nem quando deveria, de quem reconhece a própria idiotice e transforma isso em uma última grande piada.

Talvez o maior acerto do filme seja não tentar brilhar mais do que André. A narrativa respeita a bagunça da vida dele, respeita os silêncios esquisitos, as histórias que começam sem saber onde vão terminar, a sensação de desconforto que vai surgindo quando o espectador percebe que está rindo enquanto assiste alguém morrendo em tempo real. Sem cortes rápidos ou frase de efeito, tem conversa atravessada, devaneio e momentos em que ele mesmo parece esquecer da câmera. E é aí que o filme cresce, na naturalidade de quem não está tentando impressionar ninguém.

Claro que o formato escorrega em alguns momentos, algumas situações se repetem mais do que precisam e o filme fica girando em torno da mesma proposta por tempo demais. São os riscos assumidos da proposta, que não tem roteiro fechadinho, não tem arco de personagem, tem só a contagem regressiva desordenada de alguém que continua sendo ele mesmo enquanto tudo desaba.

No fim das contas, André is an Idiot é menos sobre morte e mais sobre a liberdade de viver sem o peso, sem a busca desesperada por sentido. É estranho, é desconfortável e engraçado quando não deveria. É pesado quando não parece, e talvez seja exatamente por isso que seja tão fácil se conectar com o filme. Não tem grandes mensagens, só uma despedida cheia de piadas ruins, histórias desastradas e momentos tão absurdos que só podiam mesmo ser reais.

Um grande momento
Farpa

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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