(Anna Karina, souviens-toil, FRA, 2017)
Só saber que vamos assistir a um documentário sobre Anna Karina já sentimos um calorzinho no coração. Mas como resumir a vida de uma mulher tão incrível em tão pouco tempo? O média-metragem de 55 minutos cumpre seu papel de percorrer a vida dessa atriz que foi tão importante para o cinema e explorou todas as suas possibilidades, seja nas telas, nos palcos, por trás das câmeras, além de cantar, compor e escrever.
De maneira poética, o diretor Dennis Berry faz um apanhado cronológico de sua vida, já acertando na partida, quando se aproxima de seu rosto e destaca seus marcantes olhos e quando transita para um presente onde a própria Anna Karina acompanha essa jornada em um cinema do Quartier Latin. É como seu retorno a um lugar que é só seu, a uma história que não poderia ter sido escrita por mais ninguém.
Com um trabalho muito elaborado de resgate e colagem de material, o filme destaca personagens marcantes vividas pela atriz, com trechos e fotografias de filmes de Serge Gainsbourg, Jean-Luc Godard, Michel Deville, Jacques Rivette ou George Cukor, só para começar, mas dedica um tempo a sua história de vida. Com imagens de arquivo, reconta o início de tudo desde antes do nascimento, passando pelo apego aos avós, a relação conflituosa com a mãe, a descoberta do cinema e a partida para outro país. Tudo intercalado com entrevistas resgatadas ou intervenções da própria Anna Karina e com belas transições entre passado e presente.
A construção estética, criativa em suas imagens pertinentes, faz uma boa recepção. Porém, é mesmo a inusitada história de como Anna Karina chegou ao cinema que cativa. O encontro da jovem com Katherine Ailé, caça-talento de uma importante agência de modelos, a mudança provocada por sugestão de Coco Chanel de fazer também vídeos publicitários e a paixão à primeira vista de Godard, por causa de um comercial de sabonete. Tudo contado de maneira agilizada e muito ilustrada.
A dedicação temporal ao que se conta é maior à passagem de Godard pela vida da atriz, com quem ela foi casada, e ainda mais poética por interpretar a atenção do diretor e transformar sua paixão em modo de filmar. Com passagens de set, detalhes de roteiro, curiosidades, imagens de Anna Karina e seu depoimento, essa interpretação torna-se palpável. Assim como a importância de um para o outro em suas carreiras.
Com o fervilhamento social do mundo quando as novas ondas do cinema surgiram, seria impossível passar por isso sem citá-lo, principalmente pelo engajamento de sempre da documentada. Assim como seria natural a associação do caos às lembranças da Segunda Guerra, que ela viveu. Mais uma vez, o resgate de imagens toma a tela, no jogo escolhido pelo diretor para construir uma história repleta de passagens de filmes, mas sempre interligada e justificada com o mundo onde acontecem, e como isso afeta não só a atriz, mas todo o cinema.
Anna Karina: Para Você Lembrar resgata todo o começo da carreira da atriz, de seu reconhecimento com Uma Mulher É uma Mulher e se aprofunda no desgaste relação com o marido Godard. É na dedicação tão evidente ao diretor, em tempo e em texto (“No cinema, os personagens morrem, mas os filmes continuam vivos”) que está a principal fraqueza do documentário. Com uma vida tão repleta de ações, atos e momentos, falta espaço para alguns e sobra aqui.
Mas, ainda assim, tem tempo de falar da comédia musical, paixão antiga dos tempos de infância, e o encontro com Serge Gainsbourg. Além de suas experiências longe da França, o crescimento da carreira teatral nos Estados Unidos e a primeira virada de sua carreira, quando produz, roteiriza, dirige e atua em seu primeiro filme, Vivre Ensemble. Ela foi a primeira atriz francesa a dirigir um filme e, por isso, fundamental para outras iniciativas.
A segunda grande virada, depois de passar rapidamente pelo reconhecimento de Ingmar Bergman nos palcos, é quando assume o seu lado escritora e lança vários livros. Os seus comentários sobre a arte de escrever são igualmente interessantes, assim como é interessante o terceiro passo, a ocupação dos palcos agora como cantora e a parceria com Philippe Katrine. É quando mais uma vez, a sombra do machismo aparece no longa. Dessa vez por parte do companheiro de trabalho.
O deslize recorrente é aquele pelo qual passam todas as atrizes ou diretoras que tiveram relacionamentos com atores e diretores homens, numa associação eterna e constante. Ainda assim, mesmo que destaque Godard e apresse todo o resto da vida de Anna Karina, o documentário de Berry tem uma paixão que é exclusiva por sua retratada, o que se pode perceber por toda sua poesia visual e textual.
É um filme que mata um pouco a saudade de Anna Karina, falecida em dezembro do ano passado; reconta histórias que gostamos de ouvir diversas vezes; traz de volta imagens que são tão caras a qualquer cinéfilo e que, consequentemente, deixa a vontade de rever todos os filmes citados mais uma vez.
Um Grande Momento:
Descrevendo a felicidade e a injeção de ânimo após o primeiro sucesso nos cinemas.
[7º BIFF]