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As Oito Montanhas

Sobre meninos, lobos e algumas montanhas

(Le Otto Montagne, ITA, BEL, FRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Felix Van Groeningen, Charlotte Vandermeersch
  • Roteiro: Felix Van Groeningen, Charlotte Vandermeersch
  • Elenco: Luca Marinelli, Alessandro Borghi, Filippo Timi, Elena Lietti, Elisabetta Mazzullo, Surakshya Panta, Gualtiero Burzi, Elisa Zanotto
  • Duração: 145 minutos

Às vezes, o cinema consegue fazer esse movimento em uma mesma temporada, de puro espanto – percebemos que, em um mesmo tempo, dois títulos diferentes que comunicam de maneira harmônica entre si foram produzidos paralelamente. É o caso de Close, de Lukas Dhont, e esse As Oito Montanhas, dirigido pela dupla Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch (de Alabama Monroe). Exibidos e premiados no último Festival de Cannes, os filmes se apartam a partir da metade, mas até lá temos duas delicadas construções de amizade entre homens que não podem ser chamadas de outra coisa, nascidas na mais tenra infância. Uma base tão parecida, quando acompanhamos esses momentos de idílio diante de uma natureza exuberante e a construção sensível de uma fraternidade forjada pela inocência. 

Aos poucos, essa co-produção Itália-Bélgica-França se desenha ainda mais complexa que o longa belga, de uma maneira muito mais simples. Explica-se: é um caminho mais psicológico que é travado entre o que se no campo das ideias até chegar o das realizações, mesmo que parta de um princípio igualmente prosaico. O que se descortina enquanto reflexão é mais profundo, porque entende seu conflito como algo cheio de incógnitas. A partir dessa amizade tão forte quanto prematura, As Oito Montanhas imagina um mundo possível para duas pessoas tão distintas, tentando paralelizar seus destinos, em sempre de maneira efetiva. Entende-se que suas trajetórias são unitárias, independente do sentimento que os une, ou já uniu. 

Adaptado do romance de Paolo Cognetti, o filme faz uma conexão entre essa ligação da natureza (que Bruno, um dos protagonistas, odeia que seja tratada com esse distanciamento – “eu chamo de pedra, de árvore, de montanha, de cachoeira, não de natureza”) com o ser humano, principalmente aquele que a escolheu. É o caso justamente de Bruno, que está ali por vontade própria, que nunca quis sair de seu habitat natural, mesmo tendo motivos e oportunidades para tal. Um dos aspectos mais interessantes de As Oito Montanhas é criar essa amizade que, como descrita por Pietro – o outro vértice – não precisou de manutenção, e que narrativamente, permitiu ao filme que criasse lacunas de entendimento a partir daí, para os personagens e para o espectador. 

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As Oito Montanhas
Cortesia Festival de Cannes

Esse arranjo lacunar preenche o tempo do filme e os sentimentos dos personagens, com as sugestões subjetivas sendo responsáveis por montar filmes distintos e excitantes para cada um. Isso porque acompanhamos pelo menos 30 anos de história e dois personagens apartados por esse mesmo tempo, e também por uma miríade de sensações, desconhecidas de parte a parte. Pietro e Bruno, de melhores amigos de infância, se tornam estranhos quando adultos, e sem qualquer pista do que os afastou, que não seja presumido ou imaginado. Nenhuma certeza vem à tona, o que torna a experiência de As Oito Montanhas fascinante, tendo em vista que estamos em zona de compreensão difusa, ou seja, algo parecido com a vida real em si, onde só temos a garantia da nossa parte da história, e às vezes nem isso. 

Dois grandes atores italianos da atualidade estão na cabeceira de As Oito Montanhas em desempenhos sensíveis. Luca Marinelli (de Martin Eden) e Alessandro Borghi (de Rômulo & Remo) estiveram juntos antes, em Não Seja Mau, e a química já era evidente. Aqui, eles a repetem de maneira mais intensa, em uma relação que é fruto de um tempo que não existe mais, e que não consegue ser reproduzido de novo, que não por uma chave do passado. Tudo a que temos acesso através da interpretação de seus atores é multifacetado, porque não está necessariamente à disposição da compreensão racional, apenas da emocional. Através de como acessamos esses personagens, seus motivos para se excluírem por tantos anos e em como esse reencontro é ao mesmo tempo orgânico e acanhado, o espectador consegue acessar facilmente suas próprias relações, incluindo familiares. 

As Oito Montanhas, acima de tudo, é um filme sobre como homens, meninos, pais, filhos e quaisquer outras figuras masculinas, fracassam constantemente pelo simples fato de suas naturezas. Sem proteger homens – que, afinal, não precisam de nenhum advogado – o filme os entende em uma berlinda por escolha própria. Os homens em cena da produção escolheram mal todas as suas decisões, em todas as épocas, e levam consigo as marcas de tais erros, gerando uma onda de novos erros, novas dores, novos desencontros. 

Na verdade, nada é mais surpreendente em As Oito Montanhas quanto o tom e a condução do filme. Seus diretores apresentaram antes filmes de enorme carga dramática, resvalando para a breguice em mais ocasiões do que deveriam. Essa nova produção prima pelo oposto disso tudo, justamente quando poderia acessar esses códigos com ainda mais facilidade. Já passearam pela Bélgica, pelos Estados Unidos (em Querido Menino) e agora pela Itália, e finalmente conseguiram traduzir em imagens, e não em lágrimas histéricas, a essência reproduzida de suas intenções. Poupando o público de emoções baratas e exatamente por isso emocionando verdadeiramente, As Oito Montanhas nos leva a uma viagem por um caminho de erros incontornáveis, feliz ou infelizmente. 

Um grande momento
A história da manteiga do Nepal

[46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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