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Até Que Você Me Ame

(Hippopotamus, GBR, 2020)

  • Gênero: Suspense
  • Direção: Edward A. Palmer
  • Roteiro: Edward A. Palmer
  • Elenco: Ingvild Deila, Stuart Mortimer, Jonathan Cobb, Tom Lincoln
  • Duração: 120 minutos
  • Nota:

Menos é mais. Foi assim que Edward L. Palmer construiu a história de Até Que Você Me Ame. O projeto do filme começou como curta-metragem e conta a história do sequestro de Ruby Ann Wattz por Tom Allcroft, um homem esquisito que afirma que só vai soltá-la depois que ela o amar. Feito com financiamento coletivo o curta virou um longa, mas os gastos continuaram baixos. Manteve-se a ideia de trabalhar essencialmente um ambiente único, pouco material de cena e apenas dois personagens.

Até Que Você Me Ame chama atenção pela construção controlada da tensão, estimulada justamente pela falta de elementos extras. Há uma boa justaposição de referências do cinema de suspense e uma noção muito clara de que o mistério pode ser estabelecido nos detalhes. Assim Ruby é apresentada: pelo texto narrado por seu agressor e uma câmera baixa que não deixa mostrar seu rosto, e pelo que vemos dela rapidamente. Tudo é estranho e se beneficia desse estranhamento.

Ingvild Deila e Stuart Mortimer em Até Que Você Me Ame (Hippopotamus, 2020)

Em seu ambiente restrito todo branco, ainda mais angustiante com a iluminação fria de Tomas Brice, que reflete em tudo e dá ainda mais peso aos contrastes, a história vai se construindo com pequenas peças soltas e muito espaço entre elas. A escolha narrativa e a composição são interessantes, mas não sobrevivem à previsibilidade. O plot sequestro/amnésia não é nenhuma novidade e leva sempre ao mesmo lugar.

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Até Que Você Me Ame ainda tenta reconstruir um outro caminho, mas se enfraquece justamente ao abandonar o lugar estabelecido para o suspense e se entregar a flashbacks ilustrativos. Mesmo que queria ter uma trama original, está no mesmo lugar de outras como Antes de Dormir ou Obsessão Secreta.

Mas há algo interessante em Até Que Você Me Ame e que vai além da simplicidade em que aposta: toda a metáfora que se constrói com o filme e que não chega nem a ser cogitada nos outros genéricos. Mais do que uma óbvia agressão, afinal de contas, trata-se de um sequestro, aquilo que se vê transfigurado em cativeiro é a reconstrução de relações abusivas em símbolos. Mesmo que não tenham chegado ao nível físico daquele casal, toda a restrição espacial e a ideia construída da dependência física – impossibilidade de locomoção e acesso à memória – são representações muito certeiras do aprisionamento por que passam milhares de pessoas no mundo.

Stuart Mortimer em Até Que Você Me Ame (Hippopotamus, 2020)

Um filme pode pegar uma história e dar a ela camadas que vão muito além do óbvio. Em um sequestro praticado por um stalker louco, sentimentos de aprisionamento, manipulação e aceitação do inaceitável podem estar por trás de um quarto branco asséptico, assim como a dificuldade de fuga, mesmo que se chegue perto de conseguir.

Isso dá a Até Que Você Me Ame um interesse que inexiste quando se olha na superfície. Se apenas se presta atenção à história e como ela se desenvolve em tela, não há muita novidade além da empenhada e econômica estética, mas quando se deixa levar pelo que está, em sua simplicidade, naqueles símbolos, há algo que encontra muitas outras razões para ser visto.

Um Grande Momento:
O barco.

Poster Hippopotamus (2020)

[7º BIFF]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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