O cinema de Sueli e Isael Maxakali nunca se encerra no quadro. Ele é extensão de uma memória viva, de uma língua que insiste em atravessar séculos de apagamento. Em Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá, a câmera não captura um testemunho, mas se coloca como parte de um ritual. O cinema se confunde com o canto, com o gesto, com a lembrança que não aceita ser calada.
O pai evocado no título é presença e ausência ao mesmo tempo. É memória pessoal, mas também é figura coletiva, corpo que se mistura ao de muitos outros pais arrancados de suas terras, de suas casas, de suas histórias. Não se trata apenas de narrar uma perda, mas de transformar essa perda em permanência. O filme é insistência, teimosia, recusa ao esquecimento.
As imagens não obedecem o tempo linear. O que se vê é atravessado pela circularidade da memória indígena, onde passado e presente se confundem. A câmera observa o cotidiano, os cantos, as conversas, e é nesse tecido de fragmentos que a narrativa se forma. Não há pressa em concluir, porque a história não se conclui. O cinema se torna espaço de prolongamento da vida, onde cada voz ecoa além da tela.
O gesto é também político. Filmar cada um daqueles indivíduos é filmar todo o povo Kaiowá, filmar a violência que insiste em cercar suas existências; mas é também filmar a continuidade que resiste a esse cerco. O cinema aqui não é denúncia fria, é canto partilhado. E cada canto se inscreve como arquivo e como presente; não como documento morto, mas como corpo que pulsa.
Em Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá, a câmera é também filha. Ela herda, mas não para guardar em silêncio. Herda para devolver ao mundo, em forma de filme, aquilo que se recusa a desaparecer. O pai é memória, é ausência, mas é também o fio que mantém viva a comunidade. Ao sair da sessão, não é o fim que se impõe, mas a continuidade de uma voz que insiste em atravessar.
Um grande momento
Reinterpretando