Crítica | CinemaDestaque

Tire 5 Cartas

(Tire 5 Cartas , BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Diego Freitas
  • Roteiro: Joaquim Haickel, Gustavo Pinheiro, Diego Freitas, Melina Dalboni, Julia Antuerpem, Giulia Bertoli
  • Elenco: Lília Cabral, Stepan Nercessian, Claudia DiMoura, Guilherme Piva, Sérgio Malheiros, Giulia Bertoli, Gabriel Godoy, Allan Souza Lima, César Boaes, Claudiana Cotrim, Thaynara OG, Mathy Lemos
  • Duração: 100 minutos

O gênero “comédia brasileira popular” nunca teve fãs assumidos no país, a crítica sempre tratou a existência deles como cidadãos de terceira classe, e nem a arrecadação que historicamente foi arrecadada era argumento para reconhecer sua interação natural com o público, que particularmente creio que deva ser reconhecido valor. Aí vieram os streamings, e posteriormente a pandemia, e uma relação que sempre foi saudável (público e comédia) azedou, por inúmeros motivos – incluindo a nossa perda da cota de tela, que ceifou de salas populares os nossos filmes nessa seara. Tire 5 Cartas, independente do que for visto por uma cartomante em seu futuro, é uma saída possível para o equilíbrio, entre realização e proposta sem pudor na direção do acessível. 

A começar pela evolução muito óbvia de Diego Freitas. Rapidamente, esse jovem diretor saltou casas na direção de um melhor emprego de seu talento ascendente. De O Segredo de Davi para Depois do Universo, já tinha sido percebido que seu material qualitativo estaria em uma prateleira mais favorecida. Quanto mais percebe que pode se livrar de apetrechos estéticos gratuitos e formalizar suas ideias na direção de uma história bem contada, esses mesmos adornos que carrega para suas obras se tornam menos intrusivos, e conseguem dialogar com o conteúdo. É exatamente o que ele demonstra de melhor em Tire 5 Cartas, com assinatura de uma produção que soa estando à frente dos trabalhos, mas que seu diretor nunca deixa a própria visão parecer menos comprometida em assinatura. Esses três filmes, de alguma maneira, fazem sentido em uma carreira; quem consegue afinar esse instrumento é ele mesmo. 

Os elencos de Freitas também são sempre conduzidos com firmeza, e também eles uma prova de sua maturidade. Viemos de um Nicolas Prattes compenetrado, passamos pela revelação que foi Giulia Be, sua química com Henrique Zaga e a felicidade de sempre de ver Léo Bahia em cena, e chegamos aqui a uma Lília Cabral como não víamos no cinema desde Divã. É muito bom ver uma grande atriz em cena, mas é ainda melhor quando a encontramos bem marcada, conduzida com qualidade, reproduzindo bons textos que cabem na sua boca, e acompanhada por uma constelação. Cláudia DiMoura, Gabriel Godoy, Guilherme Piva estão ótimos, muitos deles livres dos vícios televisivos, mas é a presença mágica de Stepan Nercessian que carrega muitas camadas a Tire 5 Cartas. Sua química com Lília nos remete ao melhor do clássico Vale Tudo, e ver Aldeíde e Jarbas reunidos é daqueles momentos de prazer que não sabíamos que precisávamos rever. 

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Independente de seu elenco, Tire 5 Cartas é um título que Freitas não deixa estacionado sobre eles e suas capacidades. Sim, quem tem essas pessoas em cena (e como esquecer César Boaes, que acabamos de ver em O Porteiro?), tem metade do trabalho bem feito. Mas o jovem diretor não está disposto a estacionar sua capacidade de criação na direção de atores, e protagoniza sozinho alguns momentos que deixam claro seu esforço de construir uma filmografia de qualidade. Todas as vezes que precisa lidar com o espírito de um personagem – sem spoilers! – Freitas conta não apenas com a qualidade de quem está na frente das câmeras, mas com seu próprio campo de realização. Ele conduz sua câmera com uma delicadeza e profundo respeito pelo que tenta evocar, às inspirações não passam de tal, e seu filme consegue ter voz própria mesmo estando nesse espaço que sim, já vimos antes; sua composição imagética dribla algumas muitas armadilhas.

A chegada dos personagens de Cabral e Nercessian ao Maranhão, por exemplo, conta com exímias qualidades da montagem de Alexandre Boechat e Fábio Jordão – o segundo, vindo de trabalhos notáveis na TV, como em Os Outros, Onde Está Meu Coração, O Rebu, Amores Roubados e a recém terminada Vai na Fé. Quem acompanha meu trabalho, sabe como valorizo o tempo de montagem de uma comédia, e no cinema brasileiro, é justamente ela que muitas vezes é deixada de lado. Pois essa talvez seja a pedra fundamental de Tire 5 Cartas, um filme muito dependente de um timing preciso para construir sua comicidade, mas que aqui também alcança um ritmo de drama dos mais precisos. É um trabalho que, embora muitas vezes seja esquecido em uma análise, é sua responsabilidade definir onde a qualidade de um projeto será definida, e, mesmo que o público não saiba, é ela quem muitas vezes aponta nosso aval. 

O que não pode ser esquecido, e que agrega toda a efusividade que está explícita em Tire 5 Cartas é o palco escolhido para sua trupe aportar. São Luiz do Maranhão é um lugar que exala cor, paixão, alegria, sua vibração ecoa em todo o elenco, nas cores da direção de arte e na proposta cênica. É um espaço geográfico que recupera um aval quase lúdico ao filme, sem nunca deixar de ser naturalista também, mas um naturalista que tem a ver com o local que filma. Com respeito aos profissionais locais, com os atores da terra como Áurea Maranhão, Deo Garcez, Claudiana Cotrim e o já citado Boaes, e com os cenários naturais que visita, o filme é um banho de homenagem a um estado, e que nunca se vale de uma forma institucional para se vender. É espantoso que, com tantas possibilidades de sair algo duvidoso (incluindo um roteiro assinado por 12 mãos), a produção acerte com aparente facilidade. Ponto para Diego Freitas. 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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