Crítica | Streaming e VoD

BAC Nord: Sob Pressão

Bodes expiratórios do sistema que só querem um dia de glória

(BAC Nord, FRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Cédric Jimenez
  • Roteiro: Audrey Diwan, Cédric Jimenez
  • Elenco: Gilles Lellouche, François Civil, Karim Leklou, Adèle Exarchopoulos, Kenza Fortas, Cyril Lecomte, Michaël Abiteboul, Idir Azougli, Vincent Darmuzey, Jean-Yves Berteloot
  • Duração: 105 minutos

Onde a miséria e a carência se alastram o sistema capitalista selvagem trata de moer mais e mais gente. Darcy Ribeiro foi quem usou a expressão de que um moinho de gastar gente na verdade era o Brasil. Jogando para a cidade mais antiga da França, Marselha, com muita pobreza especialmente concentrada no seu setor norte, onde vive uma população formada majoritariamente de imigrantes muçulmanos, temos ingrediente em potencial para um bom filme, BAC Nord: Sob Pressão, que tomou de assalto a Netflix.

Longe de ser um retrato profundo das pessoas que dedicam suas vidas à força policial como Polissia da Maïwenn, onde elas enfrentam tantas barreiras e sujeiras no trabalho que ficam emocionalmente devastadas, BAC Nord aposta mais na ação, mas até que deixa alguns momentos para refletir por meio das dúvidas de Greg (Gilles Lellouche), Antoine (François Civil) e Yass (Karim Leklou). Estamos no ano de 2012 e eles integram a brigada anticrime cujo o principal foco são as gangues que traficam drogas e cometem homicídios diários. Surge então a possibilidade de desmantelar a rede com um trabalho com informantes, feito especialmente por Antoine, usando drogas apreendidas como barganha.

BAC Nord: Sob Pressão
© Jerome Mace/Chifoumi Productions

Eles são três policiais brancos circulando pela periferia no Norte que passam por momentos de grande sufoco quando os traficantes e residentes, todos usando máscaras de caveiras, encurralam seu carro gritando que eles vão morrer. Ou quando Yass invade o apartamento de uma mulher e um menino e é esfaqueado pelo mesmo — que está vestindo, inclusive, uma camisa do Brasil. Não chegamos a conhecer tão profundamente Greg e Antoine quanto Yass, que é um homem de família e policial cada vez mais reticente em seguir ordens superiores. Mas, após um grande êxito, os três encaram o fundo do poço quando constatam que foram usados e que nada é o que parece ser num meio tão corrompido quanto o das divisões policiais.

Apoie o Cenas

A Bac Norte é a divisão mais visada pela prefeitura, o ministério francês da segurança e o judiciário, por conta dos excessos envolvendo abuso de poder, confisco de drogas e extorsão. Então o cineasta Cédric Jimenez não cria muitos subterfúgios antes de revelar que, para sacrificar uma perna e não o corpo todo, Greg, Antoine e Yass seriam atirados aos tubarões.

E um alívio constatar que a belíssima Adèle Exarchopoulos não é meramente um alívio a toda a tensão do filme, que sua Nora escapa da hipersexualizacão e da formulação como a mera esposa de Yass — ela é uma policial que não se conforma com os esquemas sujos na brigada.

BAC Nord: Sob Pressão
© Jerome Mace/Chifoumi Productions

Na prisão, a narrativa ágil de Bac Nord se torna frágil, já que a mesma solução para remediar a situação se torna de uma nota só. Mas Gilles Lellouche tem oportunidade de mostrar seu talento à medida que seu Greg vai questionando tudo que conhece e encara a traição; o mesmo pode se dizer de Civil e seu maloqueiro Antoine, que se esfacela em remorso e dor. Talvez influenciado pela convulsão social e o embate policial vs povo presente em Les Miserables de Ladj Ly — também a história de policiais que integram uma BAC — Jimenez faça de seu filme um veículo popular para o cinema de ação francês, sim, mas com alguma consciência moral.

Afinal, os policiais fora da lei não são bastiões dos bons costumes e Antoine inclusive fuma maconha com sua informante. Vê-los humanos alivia um pouco os picos de aflição e raiva quando estão no setor Norte enforcando homens e acuando um bando de mulheres e crianças para prender meia dúzia de traficantes. E o epílogo, com a quase religiosa “House Of The Rising Sun” do The Animals tem um tom de remissão dos pecados ao mostrar o trio de policiais sendo afastado da BAC e seguindo caminhos distintos em busca de justiça, paz ou tranquilidade.

Um grande momento
O reconhecimento da informante

Curte as críticas do Cenas? Apoie o site!

Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo