Crítica | Festival

Mau Comportamento

Caos interior

(Bad Behaviour, NZL, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Alice Englert
  • Roteiro: Alice Englert
  • Elenco: Jennifer Connelly, Ben Whishaw, Alice Englert, Dasha Nekrasova, Ana Scotney
  • Duração: 103 minutos

Eu não gosto de fazer comparações entre as pessoas que realizam os filmes para além das obras, mas aqui foi muito difícil separar as duas coisas. Nessa comédia, as coisas são distintas, obviamente,ou quase, mas não há como não não enxergar aquela pontinha de metáfora em tudo que se vê, talvez por reonhecer as envolvidas, ou talvez porque o tema sempre será terá um quê de realidade. Mau Comportamento é a estreia na direção de longas de Alice Englert, a filha de Jane Campion (que tem uma pontinha no filme), e fala, justamente, da complexa relação entre mãe e filha. Entre cobranças de ausências e incompreensões, ambas estão fugindo uma da outra, de si mesmas e, ao mesmo tempo, tentando se encontrar e se superar. Não faz sentido, assim como a vida.

Tudo é confuso e estranho no longa. Lucy, a mãe vivida por Jennifer Connely (Top Gun: Maverick) em uma atuação que há tempos não vemos ela entregar, é uma bagunça. Viciada em autoajuda, ouvindo no repeat as falas de um guru que não adiantam muito, resolve partir para um retiro promovido por ele enquanto Dylan, a filha vivida pela própria Englert (Dezesseis Luas), está na Nova Zelândia filmando como dublê uma aventura fantástica. Mau humorada, arredia, fechada e impaciente a protagonista tem alguns poucos momentos de normalidade e é aos poucos que começamos a entender o porquê.

Apesar da personalidade difícil, o roteiro de Mau Comportamento, também assinado pela diretora, lida com com ela de um jeito divertido e equilibrado. A revelação se dá nesse retiro nonsense onde a iluminação e o silêncio são promovidos, mas o recepcionista joga Counter Strike enquanto as regras do lugar são explicadas, e o guru vai fumar o seu cigarro e tem uma conversa com uma das frequentadoras enquanto ela está burlando uma das principais regras. Isso sem falar em todo o processo de autoconhecimento, que, apesar de toda a picaretagem, acaba por acontecer em uma reviravolta inesperada e engraçadíssima, quando há a identificação com alguém que traz o passado de Lucy de volta e a leva até um presente de resolução.

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Dividido em duas linhas narrativas, a outra dedica-se às filmagens de Dylan e sua ansiedade por provar-se necessária, forte e realmente boa naquilo que faz. Irriquieta, a personagem não tem tanto destaque, mas sua carência grita na tela, em especial quando se refere à mãe, busca encontrar referenciais, ou quando alguma interação se estabelece. A coisa só muda naqueles momentos em que um colo é necessário, mas está indisponível pro motivos que ela nem pode imaginar. Outras relações quebradas refletem em sua personalidade e, assim como no retiro, mesmo que tudo seja pesado e confuso, há humor no trato das questões.

Além de Connelly e Englert, Bad Behaviour ainda conta com atuações inspiradas de Ben Whishaw (Entre Mulheres) como o guru Elon Bello, um cara dissimulado, cheio de frases de horóscopo de jornal e tão incoerente quanto seus seguidores; de Ana Scotney (Educators) como Petúnia, a fanática cega que, manipulada, já perdeu a noção de si mesma e repele o diferente, e de Dasha Nekrasova (Succession), a modelo e atriz que faz o que bem entende, e, com sua petulância e simpatia vazia, se torna a catalisadora da fúria de Lucy. Um ótimo elenco que se encaixa e faz aquele grupo de pessoas quebradas funcionar tão bem.

Quando as duas linhas se encontram, o filme torna-se um pouco mais sério e o humor ácido que imperava até ali é deixado um pouco de lado para que questões mais dolorosas venham à tona. Talvez aqui, numa tentativa de resolvê-las, e olhaí como a vida se reflete na tela de maneira inescapável, Englert perca um pouco a mão, prologando-se demais e tendo uma clara dificuldade em terminar o longa. Porém, é algo que se resolve. E é inegável a habilidade que ela tem para contar uma história, principalmente quando começa pela mais difícil de todas, ainda mais sendo ela quem é.

Um grande momento
O limite

[Sundance Film Festival 2023]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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