Crítica | Festival

Bangla

No peito de um desafinado também bate um coração…

(Bangla, ITA, 2019)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Phaim Bhuiyan
  • Roteiro: Phaim Bhuiyan, Vanessa Picciarelli
  • Elenco: Phaim Bhuiyan, Carlotta Antonelli, Simone Liberati, Pietro Sermonti, Alessia Giuliani, Bob Corn, Milena Mancini, Rishad Noorani, Raja Sethi, Davide Fornaro, Sahila Mohiuddin, Nasima Akhter
  • Duração: 84 minutos

Sabe aqueles assuntos que você nunca imaginou que poderia surtir interesse e, quando percebemos, fomos tragados para o universo? Esse talvez seja o principal mérito de Bangla, produção essencialmente italiana que está fazendo sua estreia no Brasil no 8 1/2 Festa do Cinema Italiano com um David di Donatello de filme de estreia no bolso; 1 h e 20 depois, esse prêmio faz todo sentido. O filme não somente apresenta para o público uma comunidade bengali incrustada na Itália moderna, como é o cartão de visitas ao cinema do multi tarefas/multi talentoso Phaim Bhuiyan, que aos 23 anos anos, entrega um filme delicioso, nada exótico ou xenofóbico, leve, auto irônico e ao mesmo tempo repleto de carinho, principalmente consigo mesmo.

Phaim está em todos os lugares do longa, é seu diretor, roteirista, produtor e protagonista, fala basicamente sobre si e seu entorno, sua realidade e seus amigos, sua percepção diante de uma imigração que nem foi escolhida por si. Assim como seu personagem/alter ego, o ultra jovem diretor nasceu na Itália e é filho de um casal de imigrantes de Bangladesh. Estudante de audiovisual, entrega um filme enxuto e simpaticíssimo sobre as vicissitudes de um jovem em posição indócil – é e não é imigrante, tem e não tem sonhos de mudar as práticas que seu povo e religião impinge, ou seja, vive além de tudo naquela zona delicada entre o fim da adolescência e o início da vida adulta.

Bangla

E o que é ser adulto para alguém que não se enxerga entre seus pares? Bangla não quer levantar qualquer tipo de doutrina que não seja relacionada às experiências particulares de seu protagonista. Porém, sabemos que “fale de sua vila e falará para o mundo”, né… sem qualquer ambição maior do que ser fiel a si mesmo, às suas frustrações, seus anseios e sua vivência, Phaim se arvora pela realidade de muitos outros, transbordando empatia e segurança. A autoralidade que poderia ser cobrada de seu autor não é defendida pela força das imagens, mas pelo poder empático e o caráter observador que ele apresenta sobre sua própria história, que é deliciosamente simples por quem já viveu esse tempo, mas compreensivelmente desesperador para quem está nesse olho de furacão no exato momento.

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Como a maioria dos jovens, Phaim tem pressa, seu filme é curto, suas pretensões são modestas, seu olhar é muito centrado, e por isso sua narrativa não captura tudo que é possível sobre aqueles personagens. Ainda que o protagonismo do filme seja absoluto e muito bem demarcado pelo roteiro, Bangla apresenta sua família, sua tentativa de namorada e seus sonhos também fazem parte do pacote. Incomoda, portanto, que suas trajetórias não estejam tão bem delineadas e pareçam truncadas demais, como a sua irmã, cujos conflitos com ele são muito bem desenvolvidos e tematizados, mas que sai do filme com sua história em suspenso – quem é aquela jovem, após a apresentação de seus problemas? Seu desfecho é verdadeiramente frustrante.

Bangla

Como um artista disposto ao texto e à narrativa, Phaim se insere num lugar já abraçado anteriormente por artistas muito superiores, onde provavelmente ele nem se enxerga, então nem cabe citar aqui Woody Allen ou Nanni Moretti, mas tem uma reprodução contemporânea que o rapaz nem conhece mas que bate muito com seu perfil, físico e emocional – Daniel Furlan. Igualmente talentoso, o jovem italiano se conecta ao nosso talento “made in Brazil” na sua postura corporal e até facial diante das adversidades, seja fugindo delas ou avançando sobre elas. Ambos tem uma verve muito especial no lugar onde empunham uma certa auto depreciação sem escorregar para a agressividade, sendo muito compreensivo com os próprios defeitos e inquietações, e extraindo um humor muito não-usual para relacionar-se consigo e com o mundo.

Sem experimentar revoluções estéticas ou imprimir uma entrada arriscada no que pretende em matéria de cinema, Phaim e seu Bangla usam a própria aldeia para replicar tantas aldeias de conotações parecidas já pré-concebidas. Porém sem forçar um olhar muito tipificado para sua realidade mas versando com extrema simpatia por uma Itália com idiossincrasias quase inéditas (a apresentação de Torpignattara, o subúrbio onde vive, é muito divertida e aguda, sem imposição), o diretor encontra eco da sua voz em outros povos que vivem em situação idêntica, sejam esses povos os bengalis, os muçulmanos, os tímidos, os perdidos na vida, os jovens adultos, ou só os empáticos mesmo.

Um grande momento:
“Eu me masturbo”

[8½ Festa do Cinema Italiano 2021]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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