Crítica | Streaming e VoD

Beckett

O homem errado e culpado

(Beckett, ITA, BRA, GRE, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: Ferdinando Cito Filomarino
  • Roteiro: Kevin A. Rice, Ferdinando Cito Filomarino
  • Elenco: John David Washington, Alicia Vikander, Yorgos Pirpassopoulos, Filippos Ioannidis, Lena Kitsopoulou, Isabella Margara, Omiros Poulakis, Marianna Bozantzoglou, Michael Stuhlbarg, Panos Koronis
  • Duração: 108 minutos

O mestre Alfred Hitchcock eternizou o argumento do “homem errado” no thriller de suspense, aquele conceito do personagem perseguido por um motivo que não sabe qual é, geralmente em local também desconhecido por ele, acuado por um crime que obviamente não cometeu – ou, no caso de Beckett, um crime até de alguma forma cometido, mas cujos atenuantes só dizem respeito ao personagem-título. O imbróglio, no entanto, é de dimensões desconhecidas, mas tem provável envolvimento político, tudo isso apresentado em uma Grécia longe dos habituais cartões postais, substituídos aqui por um clima de tensão constante e crescente.

O filme, que abriu o Festival de Locarno semana passada, estreia na Netflix como um cartão de visitas de Ferdinando Cito Filomarino, cineasta italiano em seu segundo longa que se projeta aqui em produção a cargo de Luca Guadagnino e do brasileiro Rodrigo Teixeira, a dupla por trás de Me Chame pelo seu Nome. Apesar da direção, o filme é inteiramente falado em inglês e grego, e sua narrativa acompanha o casal Beckett e April, em férias na região montanhosa da Grécia. O filme desenrola o idílio dos jovens até um acidente fatal, que culmina na tentativa de homicídio e posterior perseguição ao rapaz por um país que ele não conhece, em uma língua da qual não domina, fugindo para provar a inocência diante de um quadro que nem ele sabe qual é.

Beckett (2021)
© Yannis Drakoulidis / Netflix

O clima necessário para que protagonista e espectador juntos embarquem na montanha russa emocional sugerida aqui funciona na maior parte das vezes, seja pela certeza do desconhecido que se alastra pela produção construído com muita eficiência, seja pela atmosfera do inesperado que ronda cada esquina do filme, onde não sabemos quem é o próximo personagem que o levará para uma diferente visão dos acontecimentos, para o bem ou para o mal. Ainda que povoado de clichês, o cineasta tem talento o bastante para desfiar seu universo, que é observado com interesse.

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Graças a uma fotografia que realça o gênero e humano, o artificial e o mundano, o gênero e o frugal, conseguida pelo grande Sayombhu Mukdeeprom (de Me Chame…, Tio Boonmee que Pode Recordar suas Vidas Passadas e Suspiria – deu pra captar?), o filme cria sua encanto de espaços geográficos inesperados com ambientes fechados desconcertantes, que colocam a produção em lugar estético descolado do que é produzido hoje, europeu mas sem exotismo ou “barroquice”. Acrescido do mestre Ryuichi Sakamoto (O Último Imperador) na composição, que colore com texturas inesperadas um roteiro envolvente, e Beckett cria um lugar particular dentro da sua zona.

Beckett (2021)
© Yannis Drakoulidis / Netflix

John David Washington (de Infiltrado na Klan) continua verde, sem conseguir alcançar todas as notas necessárias, mas pela primeira vez ele chega bem perto de tal resultado, e no clímax do filme ele funciona muito bem com sua explosão de fúria de alguém que, agora, vai se colocar no lugar que tentaram durante todo o trajeto. Com um ódio transbordante, Beckett não se importa mais com viver ou morrer; ele apenas quer entender os motivos pelo qual todos agiram daquela forma. O público, que a certa altura compartilha do misto de desespero e indignação do rapaz, passa a segui-lo pelas ruas de Atenas em busca das respostas.

Com participação de Alicia Vikander (Oscar por A Garota Dinamarquesa‘), Vicky Krieps (de Tempo) e Boyd Holbrook (de Logan), Beckett é cheio de texturas, cores atípicas, uma abordagem muito correta da paranoia atual que adquirimos depois das últimas décadas sendo enganados, e uma espécie de vento refrescante diante do cinema de porte médio produzido hoje. Ainda que pudesse ficar ainda mais no escuro com potenciais resoluções menos esclarecidas, o filme é uma produção que oferece diversão acima da média em embalagem sedutora.

Um grande momento
Os 5 minutos antes da chegada na embaixada

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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