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Berlinale 2020: coletiva de imprensa e a ressurreição da mostra competitiva

A capital, como cidade plana, é raramente visitada por uma brisa, um ventinho. Mas hoje, um vendaval nos acompanhou durante todo o dia; inclusive na minha ida de bicicleta à coletiva de imprensa que apresentaria o novo duo que comanda a Berlinale de 2020, a 70ª edição.

O protocolo foi confuso. Uma parte da cenografia do ano passado, o desfilar dXs curadorias até o palco, onde se posicionam para suas devidas marcações, firmadas no chão, teve seu Vale a Pena Ver de Novo. Ao invés de Dieter Kosslick e sua empatia mor, suas piadas sobre filmes, sexo e rock’n’roll, via-se um italiano de terno cinza, corte de alfaiate, com um visível nervosismo, o gentleman ainda mostrava insegurança ao cumprir o protocolo que, ao que me pareceu, não estava muito bem ensaiado. 

A holandesa Mariette Riesenbeck fez o papel de anfitriã, já que fala fluentemente alemão e o italiano Carlo Chatrian surpreendeu a imprensa alemã iniciando com um texto na língua de Schiller & Goethe, anunciando se ver como um “criador de pontes”. Depois de algumas frases em alemão, ele divulgou: “agora, talvez em inglês”. O aplauso solícito dos jornalistas alemães foi para recompensar o esforço do italiano em ministrar um pequeno trecho de sua fala na língua da cidade em que agora vive.

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Para países distantes isso pode ser uma nota de pé, mas depois da fulminante presença de palco e de espírito do ex-diretor, Dieter Kosslick, Carlo sabe que não tem chance alguma em imitá-lo e como muito inteligente, ele nem tentou. Claro que faltou aquela atmosfera de um programa de auditório. Marieta é bem eficiente e direta no que diz, mas está fora de um glamour em dose mínima para brilhar num festival. Ok. Esse não é o seu papel e nós vamos ter que nos acostumar com isso.

Merchandising

A pose frente aos artigos (o mais cobiçado deles é a bolsa que ganham os jornalistas ou a caneca com o urso, símbolo de Berlim e do festival) ainda teria precisado de muitos ensaios. Muitos jornalistas ao redor, não escondiam sua decepção com o caráter burocrático do discurso que parecia de uma sala de aula. Carlo Chatrian foi salvo pelo gongo, digo, pelo filme. Há toda a legitimidade para robusto otimismo que o festival terá sua melhor lista de filmes da competição, da última década.

A ideia de Carlo foi diminuir o número de filmes do festival. 60 filmes a menos do que nos últimos anos. Isso acontece também na mostra Panorama (o Cenas veiculou na entrevista com o curador-chefe). Paralelamente à mostra competitiva clássica que já existe há 70 anos, Carlo bolou a mostra Encounters (Encontros). “Já que essa mostra não repousa em qualquer tradição, ela goza de uma grande liberdade. Nela nos deixamos guiar somente por uma regra: os principais critérios tinham que ser coragem e a procura por uma nova narrativa, que também pode exibir traços emprestados do passado”, assim explica o diretor na apostila distribuída aos jornalistXs logo depois da coletiva. Dessa mostra competitiva light, Carlo deposita grande expectativa. São 15 filmes selecionados para a nova mostra. Mesmo que alguns jornalistas tenham reclamado de terem que “se dividir” entre as “duas” competições, Carlo Chatrian fez um golaço com o desmembrar do mamute que vinha sendo a mostra competitiva da última década.

A metáfora dos pássaros da diretora portuguesa Catarina Vasconcellos é um dos filmes. O diretor argentino Matias Piñeiro vem com Isabella. Los Conductos, dirigido pelo colombiano Camilo Restrepo é uma coprodução França, Colômbia e Brasil.

Todos os Mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra | Foto: Hélène Louvart/Dezenove Som e Imagem

Na corrida pelos Ursos

Pelo que se pode constatar na lista divulgada hoje, no novo manda-chuva deu uma repaginada na mostra que vinha se arrastando como um peso morto no festival. Apesar do estrangulamento do setor de audiovisual no Brasil, o cinema brasileiro está (ainda) bem representado em Berlim.

As pérolas da Mostra competitiva:

Todos os mortos – Caetano Gotardo e Marco Dutra
A coprodução Brasil-França promete.

Berlin Alexanderplatz – Burhan Qurbani
O clássico filmado por Rainer W. Fassbinder como minissérie de 14 capítulos para a TV em 1980 ganhará uma roupagem de contemporaneidade do espaço físico que não poderia simbolizar de forma mais escrachada, o Melting Pot que é Berlim. E o melhor ainda do que o próprio filme e o magnetismo que ele já provoca, é a volta do ator Welket Bungué a Berlinale. A mais recente passagem do ator que reside entre o Rio e Lisboa, pelo festival, foi em 2018 com “Joachim” do cearense Marcelo Gomes.

Undine – Christian Petzold
O diretor berlinense contratou, de novo, a sua musa, a atriz Nina Hoss para o papel principal.

Never Rarely Sometimes Always – Eliza Hittman
A novata do cinema independente americano vem a Berlinale pela primeira vez.

The Roads Not Taken – Sally Potter
Uma rotineira da Berlinale. A última passagem por aqui foi com a acirrada sátira político-social em tempos do politicamente correto retratando personalidades à beira de um colapso nervoso de uma forma very british.

Berlin Alexanderplatz, de Burhan Qurbani | Foto: Wolfgang Ennenbach/Sommerhaus/eOne Germany

Berlinale Goes Kiez

Uma das mostras mais instigantes foi mantida pela nova equipe. Durante os dez dias do festival, sete cinemas foram escolhidos para apresentar um filme e, na sequência, conversar com o público. Entre os dias 22 e 28, os bairros berlinenses irão ter seu tapete vermelho bem especial. A iniciativa do ex-diretor Dieter Kosslick é mais do que uma demonstração de amor aos cinéfilos de bairro, mas um incentivo aos cinemas de bairro em contraponto aos grandes complexos de salas de cinema nos shoppings da cidade.

A Berlinale 2020, em sua 70ª edição, exibe bem-vindos indícios de um novo formato, com considerável redução do número de filmes, novas mostras e novo direcionamento temático.

E porque no aniversário é preciso comemorar, os programadores pensaram numa série de eventos para cantar parabéns para o maior evento cultural da Alemanha antes e durante o festival. Cinéfilos irão além da sala de cinema. Vão ao teatro e reviver filmes marcantes do festival na mostra “On Transmission”. Nela, dia 17, por exemplo, o filme Contra a Parede do diretor Fatih Akin, será exibido nas dependências da Academia Alemã de Cinema, seguido de debate com o vencedor do Urso de Ouro em 2004.

Depois da coletiva de imprensa que, sim, causou irritação na forma, parece que o conteúdo dessa edição do festival é que irá nos seduzir.

Vamos ver!

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Fátima Lacerda

Fátima Lacerda é carioca, radicada em Berlim e cobre o festival desde 1998. Formada em Letras no R.J e Gestão cultural na Universidade "Hanns Eisler", em Berlim é atuante nas áreas de Jornalismo além de curadora de mostras. Twitter: @FatimaRioBerlin | @CinemaBerlin
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